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Nelson queria colocar a moral em tensão nas suas peças

Pesquisadores avaliam a importância do trabalho do jornalista e dramaturgo

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Por Redação
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Deixar transparecer o homem em estado puro: este era o grande objetivo das peças de Nelson Rodrigues. Com seus dramas familiares e tragédias cariocas, o pernambucano radicado no Rio de Janeiro afirmava: "Teatro não ter que ser bombom com licor. Tem que humilhar, ofender, agredir o espectador."

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"Desde A Mulher Sem Pecado, Nelson se dedicou à construção de uma obra dramática que falasse sobre o Brasil e os brasileiros - diferentemente de muito do que era feito no período, já que grande parte dos textos encenados eram estrangeiros ou escritos por autores que encaravam a dramaturgia como hobby", avalia a pesquisadora Jade Gandra Martins, que dá aulas de teatro e cinema na Universidade Federal de Santa Catarina.

A partir da montagem de Vestido de Noiva em 1943, por Ziembinski, Nelson iniciou uma grande mudança na linguagem dramática brasileira. Inovou na construção de diversos planos de ação, no uso do flashback e dos diálogos - que agora eram bem distantes da língua escrita, cheios de gírias, deixando que os personagens pudessem ser explorados a partir de como falavam.

Além da mudança na dramaturgia e na cultura do teatro no país, Nelson também foi responsável construir uma arte "consciente de sua atuação, que buscava dialogar com diretores e escritores e adaptar as influências de vanguardas estrangeiras à realidade brasileira", complementa Jade.

Para o historiador Henrique Gusmão, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nelson defendia um resgate de valores humanos que estavam sendo perdidos com a modernidade. Para isto, a razão era menos importante do que a experiência adquirida com a vivência, com sentimentos de dor, perda, alegria, amor. A arte rodriguiana tinha, por esta premissa, a função de lembrar o espectador de uma potência vital e emocional do homem.

"O escândalo em suas peças, portanto, tem como objetivo reavivar um lado ‘santo’, que só aparece em contraste com o mal, com o que é demoníaco", aponta Gusmão.

 

Nelson: moral ou amoral?

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Quando entrou em cartaz Perdoa-me Por Me Traíres, em 1957, encenada pelo próprio autor no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o furor da plateia foi tanto que o deputado Wilson Leite Passos chegou a puxar uma arma para ameaçar os atores. Poucos dias antes de estrear, no dia 15 de junho, Nelson escreveu um artigo para o jornal Manchete em que dizia: "A ficção, para ser purificadora, precisa ser atroz. O personagem é vil, para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós. A partir do momento em que Ana Karenina, ou Bovary, trai, muitas senhoras da vida real deixarão de fazê-lo."

É impossível determinar se Nelson pregava a moralidade ou a imoralidade em seu teatro, segundo a professora pós-doutouranda em literatura na Universidade de São Paulo Elen de Medeiros.

Em Anjo Negro, por exemplo, o autor foi acusado de preconceito, teve o seu trabalho censurado, e depois visto como uma manifestação contra o racismo. O personagem principal, Ismael, era um negro que foi tratado como um "homem de dignidade dramática", conforme Nelson defendeu em O Cruzeiro - sem o paternalismo com que se tratava da questão do preconceito naquela época. Ele era sensível e inteligente, mas também capaz de cometer violências e suscetível a fraquezas humanas.

"O que falta é perceber que o que está em jogo não é uma defesa ou não do racismo, mas colocá-lo em tensão. E isso Nelson faz também com a moralidade: ele coloca a moral social de uma época em tensão, provocando o público, mas não defende nem uma coisa nem outra", afirma a professora.

Ainda segundo Elen, o teatro rodriguiano "se complexifica à medida que se desenvolve". Ao trazer situações-limite, Nelson revela o que há de mais essencial no homem, destituído das regras sociais e sempre em conflito consigo mesmo, com a sociedade e com os valores impostos.

 

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