
13 de abril de 2013 | 02h16
O conflito essencial reproduzia-se na vida real, pois Wagner de fato seduziu Mathilde e musicou estes poemas de qualidade apenas mediana, nos intervalos de seu projeto lírico mais ambicioso, Tristão e Isolda. Numa opção inteligente, evitou-se anteontem, na Sala São Paulo, a tradicional versão para grande orquestra feita pelo maestro Felix Mottl poucos anos depois da primeira performance.
Em troca, tivemos o raro prazer de assistir ao arranjo para orquestra de câmara do compositor alemão Hans Werner Henze, de 1976. Um primor de refinamento e sutileza. Inexplicavelmente, houve, na plateia da Sala São Paulo, quem reclamasse da ousadia de Henze, 'profanando' o Wagner original. Sabe-se que Wagner só orquestrou a quinta canção; e, cá entre nós, você mesmo pode avaliar ouvindo no YouTube a pesada versão de Mottl com o tenor wagneriano da hora, Jonas Kauffmann. Mas, por favor, não esqueça de também curtir algumas delas na versão de Henze. E livre-se de preconceitos, abra cabeça e ouvidos - e encante-se com as ousadias refinadas de Henze.
Coincidência maior ainda. A cor escura da voz de Nathalie ajustou-se perfeitamente aos arranjos que, de seu lado, acentuaram o lado sombrio desta escandalosa empreitada amorosamente marqueteira de Wagner, pondo música nos versos da mulher alheia que desejava. Duas flautas, oboé, corne-inglês, clarineta e clarone, duas trompas, harpa e cordas - esta é a instrumentação escolhida por Henze. A transparência e leveza parecem impulsionar ainda mais esta mistura letal de amor-morte; a harpa desempenha um papel bem mais importante do que o convencional, contracenando bastante com as madeiras. Um pequeno reparo: projetar no telão as letras em branco sobre branco dos versos em português é um desafio ótico desnecessário: que tal projetar as letras em preto sobre o fundo branco? Nossos olhos agradeceriam a iniciativa.
Mas é preciso reconhecer que esta foi provavelmente uma maneira muito inteligente e sutil de se fazer um tributo, em situação de concerto, ao bicentenário de nascimento de Wagner.
Em compensação, a sequência do concerto foi bastante convencional. Isso apesar de uma leitura apaixonante do celebérrimo Prelúdio e Morte de Amor de Tristão e Isolda, comandada pelo ótimo regente britânico Richard Armstrong. A Osesp brilhou nesta obra que exige uma sintonia fina entre as várias seções da orquestra, e demonstrou interação total com o regente, de modo a criar uma tensão que cresce sutilmente, aos poucos, até o imenso acorde perfeito final, representando a vitória do amor sobre a morte.
A terceira peça do tributo a Wagner encerrou o concerto em clima de extra: o prelúdio de Os Mestres Cantores. Na primeira parte, Armstrong construiu uma bela interpretação da Júpiter de Mozart, com um efetivo instrumental reduzido. Impressionou particularmente o Finale Molto Allegro, com suas incríveis e inesperadas modulações e os fugados se intrometendo furiosamente.
Crítica João Marcos Coelho
JJJJ ÓTIMO
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