Nathalia Timberg tem estilo europeu

Elegância e coerência marcam sua mais de quatro década de atividades artísticas. Ela é a mais européia das nossas atrizes

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Por Agencia Estado
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Em meados dos anos 50, o Teatro Brasileiro de Comédia era já a mais bem-sucedida empresa teatral do País. Dessa posição privilegiada lançava expedições de apresamento às outras praças teatrais e trazia, para integrar seu elenco, os mais promissores talentos. Nathalia Timberg, carioca nata, foi convidada a somar-se ao elenco do TBC nessa época de fastígio e, desde então, atua em produções na sua cidade natal e nos palcos paulistas. Quando, em 1960, idealizou uma companhia própria de teatro popular - significativamente denominada Teatro do Povo - fez de São Paulo a sua sede. Certas peculiaridades da cena paulistana - a relativa estabilidade dos conjuntos profissionais e o tom grave das produções - são, talvez, convenientes ao seu temperamento artístico. Décio de Almeida Prado referiu-se a ela, certa vez, como a "mais européia de nossas atrizes". Outros atores eminentes do nosso teatro, entre eles Bibi Ferreira, também tiveram formação européia e sem dúvida essa marca de origem permanece latente ao longo da carreira, emergindo com maior nitidez quando os papéis o exigem. Em Nathalia Timberg, no entanto, a qualificação que lhe atribuiu um crítico especialmente atento à evolução da carreira dos intérpretes, se refere mais a um método do que à formalização. Em mais de quatro décadas de trabalho contínuo no palco, tornou perfeitamente verossímeis personagens das mais variadas nacionalidades e estratos sociais. Foi uma sofisticada atriz inglesa, uma rude camponesa nordestina, uma tola dondoca paulistana, graciosa Colombina e sofrida mulher da classe operária brasileira. A elegância, a sensibilidade refinada e o toque de classe na movimentação só apareciam em cena quando a narrativa solicitava. Esteve em cena com desempenho extraordinário, segundo a crítica da época, quando o TBC pôs em primeiro plano no seu repertório a nova dramaturgia brasileira. Foi perfeitamente capaz de representar a estupidez e a mediania da classe média francesa, a crueldade psíquica necessária para uma peça de Edward Albee e o sentimentalismo simplório da mulher de um estivador nova-iorquino. Para cada uma dessas criaturas de ficção, encontrou gestos e posturas diferentes, tonalidades vocais e detalhes característicos que ao mesmo tempo individualizavam as personagens e permaneciam coerentes com o estilo da peça. Essa assinatura interpretativa, que compõe personagens a partir de um universo estilístico predeterminado pelo texto, não foi, durante os anos 60, uma tendência predominante nos palcos brasileiros. Nossos intérpretes - em parte influenciados pelo psicologismo do teatro realista norte-americano - procuravam fazer coincidir uma "verdade interior" psíquica com a "verdade" do personagem. E havia também a tendência épica, baseada na teoria brechtiana, de criar narrativas e personagens cujo caráter ficcional fosse evidente e desprovido de possibilidade de identificação. Mais tarde, nos anos 70, a exploração do fundo psíquico residual do corpo - e a idéia de que o espetáculo punha em cena mais um jogo de pulsões do que um conflito - tornou-se um método interpretativo temporariamente hegemônico. Há mais de uma década, no entanto, o método "europeu" dessa atriz carioca, e de outros atores que se formaram sob a influência do TBC, vem recuperando um lugar equânime no teatro contemporâneo. Há lugar para tudo e para todos e, sabe-se agora, uma imensa gama de experimentos pode realizar-se no interior de uma proposta dramatúrgica clássica ou contemporânea. Sem se ter isolado na posição de atriz excepcional, o que a obrigaria ao espetáculo-solo (embora tenha também feito um belo recital de poema), fez parcerias com intérpretes à altura do seu talento e da sua maturidade artística. Nos últimos anos contracenou com Paulo Autran, Sérgio Britto, Beatriz Segall, Rosamaria Murtinho e Milton Gonçalves. E está, mais uma vez, de volta ao Tapa, um conjunto artístico com inegáveis afinidades com o seu método: bons textos, personagens trabalhados sob um critério que considera ao mesmo tempo a função da obra e seu valor estético. Pensando na carreira de Nathalia Timberg e no histórico do Tapa, ela está em casa. Atriz e grupo nativos do Rio de Janeiro, agora em São Paulo. Ainda são produtivas nossas expedições de apresamento.

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