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Nas terras do Sr. Maeda

O dono da fazenda que vai receber o maior festival de música do País é um ''japonês sustentável'' que vale por dez SWU

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

Ah, as formigas tanajuras, pobres tanajuras. Elas estão lá desde sempre, quando aquilo tudo era pé de tomate e os homens do senhor Tanyoshi Maeda tinham de abaixar a cabeça para desviar de seus voos. Assim que perdem as asas e ganham bunda, elas entram e saem de suas tocas no gramado da Fazenda Maeda, em Itu, doidas por comida. Ficam do tamanho de besouros e andam solitárias, mas são da paz. Música eletrônica, conhecem bem. Ali sobre suas cabeças já foram 14 raves com DJs do mundo todo, cada uma durando 12 horas sem refresco. Só não fazem ideia do que seja passar três dias abaixo do Rage Against the Machine, do Linkin Park e de 150 mil roqueiros aos pulos.A revoada chega na sexta, quando começa o SWU, sigla em inglês para um conceito de festival sustentável que leva o subtítulo Começa com Você. Os números são para tocar pânico nos formigueiros de Maeda. De sexta a domingo serão 20 atrações por dia em dois palcos principais, um ao lado do outro para que a música não pare nem para ajustes de cenário ou de som. Sobre a terra de 200 mil metros quadrados que já abrigou uma das maiores produções de tomate do Brasil, a 70 quilômetros de São Paulo, rock pesado e música eletrônica. As pessoas, pela primeira vez de forma oficial em um evento como esse, poderão acampar em barracas por ali mesmo. E aí começa o temor das tanajuras. "Muita gente tira aquelas bundinhas para fritar e comer", diz o senhor Tanyoshi "André" Maeda, com gesto de certo enjoo de suas inquilinas e sem nenhuma intenção de oferecer dicas gastronômicas em seu quintal.     Nas terras do Sr. MaedaMaeda jamais faria uma maldade dessas. Há tempos que o homem que vale por dez festivais SWU começou a pensar que o mundo pode acabar em coisa ruim. Seu banho? "É rápido, né. Lavo corpo, desligo chuveiro. Ensaboo, ligo chuveiro. E acaba. Mulher não, mulher demora mais." Suas mãos? "Lavo rápido. A gente pensa que está em banheiro de avião e pronto, vai rápido." Sua condução? "Bicicleta. Só quando trago mulher venho de carro." Os banheiros politicamente corretos do SWU não estão tão corretos assim, de acordo com Maeda. Ele apenas alugou suas terras à organização do festival, mas nada tem a ver com a produção do evento. Pelo bem do meio ambiente, o banho dos acampados no SWU será de gato. A pessoa aperta o botão do chuveiro e tem direito a apenas sete minutos de água corrente, de uma vez só. Homens e mulheres serão seres iguais debaixo das duchas de Itu. Para Maeda, é muito, não é inteligente. "O certo é abrir chuveiro, fechar chuveiro, ensaboar. Depois abrir chuveiro para enxaguar." A economia, para ele, seria bem maior.Os copos no restaurante do complexo turístico de Maeda, ao lado da arena dos shows, são de vidro, mais uma pista de que a cabeça do filho de japoneses de 59 anos, que começou tudo plantando tomate, não pensa em meio ambiente só para falar com jornalistas. Ao lado dos bebedores de plástico, caixas empilham copos de vidro lavados à mão, um a um. Copo de plástico não quebra, não precisa lavar, dá menos trabalho. Mas ele prefere assim. "Copo de plástico a pessoa pega e leva para o campo, joga por aí. O de vidro a pessoa toma bebida no balcão e devolve." A lavagem do uniforme de seus empregados que trabalham meio período segue outra estratégia. Se a gente usa roupa por um dia inteiro, por que lavar uma peça usada por seis horas? Não. Pessoal de Maeda usa roupa por dois dias de meio período antes de mandar para lavanderia, né? "É assim, uma mania do meu pai", diz Fernando Maeda, um dos filhos, de 19 anos.

A Fazenda Maeda, que o SWU descobriu nos arredores de Itu para sua versão verde do Woodstock, de 1969, já deixou de ser só fazenda. Tocada por 20 membros da família liderada por Tanyoshi Maeda, é apresentada por uma placa como Pesqueiro Maeda. Mas também já é pouco. Ali são vários tanques de pesca, pousadas, um estonteante jardim japonês, uma árvore gigante com pontes projetadas por Maeda que atravessam sua copa sem machucar a árvore, caminhos que levam a quedas d"água, tirolesas, teleférico, trenzinho. Com um preço de entrada a R$ 20 e passeios pagos à parte, o lugar chega a receber sete mil pessoas em um domingo de sol. As contas de um leigo dão uma vaga ideia do rendimento: algo como R$ 140 mil em um bom domingo. A linha do tempo conta que logo depois dos tomates, veio o que pode ser chamado por "o milagre dos peixes".No final dos anos 90 Itu sofreu com um grave problema de abastecimento de água. A irrigação do tomate ficou difícil, e o produto passou a ter seus dias contados nos planos do japonês. Ao viajar com outros agricultores para Israel, bancado por uma empresa de sementes, Maeda conheceu as maravilhas do Rio Jordão e um restaurante que lhe mostraria o caminho da prosperidade. Quando o garçom trouxe o prato da casa, Maeda sorriu. Era tilápia com arroz, salada e batata frita. "Tirei até uma foto pra mostrar aqui." Tilápia, logo o peixe que já tinha em suas terras e que seus amigos pediam para pescar em seus tanques. A tilápia, contou alguém no restaurante, havia sido o peixe que Jesus Cristo usou para fazer um de seus milagres de multiplicação. Pronto, Maeda também faria sua multiplicação quando voltasse ao Brasil.A riqueza de Maeda é daquelas que não se vê. Simples, anda com o mesmo uniforme que seus empregados usam e não faz o tipo chefe que chefia pelos olhos. Se tem batata a descascar, ele descasca. Se tem café a fazer, ele faz. Olhando o cozinheiro preparar o arroz, Maeda sentiu que havia algo errado. Afinal, por que cada porção tinha um gosto diferente, uma mais salgada que outra? Maeda mandou fazer seis porções com seis medidas diferentes de sal, água e óleo. Seus empregados testaram e ele elegeu a melhor. Nunca mais teve reclamação nem desperdício. Sobre a música que vai ouvir alto nos próximos dias, Maeda não é de grande entusiasmo. "Fui com minha filha a show de Luan Santana. Ele começou a cantar, eu fui embora." Como suas formigas tanajuras, Maeda vai é trabalhar muito em sua toca enquanto o Linkin Park tocar.

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