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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Não tem nada para ler aqui

A pandemia não acabou. O presidente não caiu. O dólar segue alto. Tudo no indevido lugar

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Não tem nada para ler aqui. Vire a página. Tome um café. Abra a janela. A semana está só começando. Gaste um tempo com seus planos. Os boletos estão chamando. E a lã da vida ainda precisa de um bom bordado.

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Não tem nada para ler aqui. A bicicleta que foi encostada vai acabar enferrujando. As plantas da casa estão sedentas. Passou da hora de um check-up. Ou um check-in. Corra um pouco. Respire fundo. Estude uma língua estrangeira. Acho que, no mínimo, o seu cachorro está querendo passear. 

Não tem nada para ler aqui. Quem precisa de outro homem reclamando? É só mais uma cola de farinha para corações de mentira. Miudezas de um adeus. Esse é somente outro álbum de figurinhas. Todas repetidas – onde todo mundo é um mero souvenir. 

Não tem nada para ler aqui. É só um fluxo, uma onda, marolinha, frases soltas, ímãs de geladeira que se desprendem e jazem desmagnetizados no chão da cozinha. É só mais um quebra-cabeças – desses que a gente descobre no fim a falta de uma peça. 

Não tem nada para ler aqui. É só mais um copo meio vazio. Outro post-it grudado no computador. Um baleiro de obviedades que nunca parou de girar. Um alerta, uma placa torta advertindo sobre algum passo em falso que já foi dado. 

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Não tem nada para ler aqui. A perícia é quem vai definir se a causa mortis foi excesso de fulgor ou alguma espinha entalada na garganta. Mudem de calçada. Afastem os paparazzi. Por que tanta curiosidade? Circulando!

Não tem nada para ler aqui. São apenas coisas quebradas, luzes que não acendem, vazamentos no teto e móveis impossíveis de montar. Não se assustem. Esse barulho vem do meu encanamento ou das minhas encanações. São assombrações inúteis. Gasparzinho.

Plataformas de audiolivros tentam fisgar potenciais leitores em seus deslocamentos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Não tem nada para ler aqui. São como bulas de remédio, regulamentos complicados, manuais de instrução ou cartas de amor sem destinatários. São como hieróglifos de um futuro impossível.

Não tem nada para ler aqui. Você precisa de um novo par de óculos. Você precisa ouvir rock argentino. Você precisa aprender a cozinhar o básico. Você precisa configurar o seu cérebro enguiçado. Você precisa aprender a se confortar com suas próprias mentiras ou contentar-se com tardes vazias de inspiração escassa. 

Não tem nada para ler aqui. A pandemia não acabou. O presidente não caiu. O dólar segue alto. O carnaval é em abril. Não trago nenhuma epifania no bolso de trás da minha calça jeans. Tudo continua no seu indevido lugar. Qualquer novidade eu mando um zap. 

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