Nacionalismo atrapalha América Latina, diz Skármeta

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Por Agencia Estado
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O escritor e embaixador do Chile no Alemanha, Antonio Skármeta, autor de As Bodas do Poeta e de O Carteiro e o Poeta, afirmou, em entrevista em Passo Fundo, que a América Latina perdeu o entusiasmo consigo mesma. Esse seria o principal motivo para as literaturas dos países da região terem dificuldades para atravessar as fronteiras entre os Estados nacionais. Skármeta foi uma das principais atrações internacionais da 9.ª Jornada Nacional de Literatura, que também contou com a presença de outros autores estrangeiros, como os poetas angolanos Rui Duarte e Ana Paula Tavares e o ensaísta argentino-canadense Alberto Manguel. Ao todo, mais de cem escritores estiveram em Passo Fundo nesta semana. A maioria deles chegou à cidade numa grande excursão, em ônibus saídos na terça-feira, de Porto Alegre. O evento ocorre na cidade gaúcha desde 1981 e, nesta edição, está reunindo cerca de 10 mil pessoas, entre adultos e crianças, no câmpus da Universidade de Passo Fundo, sob lonas de circo. Nesse ambiente em que a literatura é absolutamente popular, quase pop, o chileno circulava com naturalidade. Ele comanda dois programas de TV: Torre de Papel, pelo canal pago People and Arts, e El Show de los Libros, exibido no Chile. Na sua opinião, os escritores são, em geral, orgulhosos da própria intimidade, o que dificulta o contato com o público. Não é, no entanto, o seu caso. E, por isso, diz que usa a TV para apresentar seus colegas mais tímidos ao público. Seu programa chileno, às 11 e meia da noite, chega a ter 1 milhão de espectadores (em uma população de 15 milhões). "Tento combinar energia literária com show televisivo e vida cotidiana; a TV é um meio muito novo e o mundo intelectual virou as costas a ela antes de se dar a batalha para criar programas diferentes." El Show de los Libros sofre, porém, da falta de difusão de autores de outros países. "Nossa prioridade é a literatura chilena, a literatura latino-americana, em seguida, e obras universais", conta. "Mas temos de tratar de livros que podem ser encontrados nas livrarias, o que acaba afastando muitos autores brasileiros." Segundo Skármeta, o cenário oposto ao que se vive hoje ocorreu nos anos 60. "As barreiras foram derrubadas porque a América Latina estava confiante em si mesma: o Chile ensaiava o socialismo democrático com Salvador Allende, a Igreja Católica da região criava a teologia da libertação, acreditávamos em nosso futuro", argumenta. "A literatura latino-americana se impunha na Europa com autores de diferentes países, como García Márquez, da Colômbia, Julio Cortázar, da Argentina, Vargas Llosa, do Peru, Carlos Fuentes, do México." A literatura latino-americana não era um fenômeno provinciano, todos conheciam Pablo Neruda, e, assim, pôde se impor no mundo, com novos nomes (como João Ubaldo Ribeiro) e outros que foram "redescobertos" (como Jorge Amado). "Mas os meninos travessos foram severamente castigados", diz Skármeta. Os regimes ditatoriais que se expalharam pelo continente trouxaram consigo uma ideologia nacionalista que "separou" os países - o que exige um recuperação estética e moral que somente a muito custo vai se construindo. Este ano, o encontro de Passo Fundo contou com participantes de mais de 150 cidades (quatro em São Paulo e as demais nos Estados do sul do País), que participaram das chamadas pré-jornadas. Segundo a professora da UPF Tânia Rösing, organizadora das jornadas, o grande acerto da edição deste ano foi a criação de jornadinhas: espaços reservados às crianças. Como um dos principais objetivos do encontro é formar leitores, agora ele teria chegado a estudantes no início de sua relação com os livros. O público de Passo Fundo se organiza em diferentes atividades: pela manhã, ocorrem cursos, que duram três dias. Seus temas podem ser tão diferentes quanto a filosofia de Nietzsche, a ilustração de livros infantis, poesia para surdos-mudos ou a importância das bibliotecas. Às 14h30 e às 19 horas, há as mesa-redondas. Nesse momento, cerca de 4.000 adultos estão na platéia, para discutir assuntos como a procura de leitores de poesia ou a preservação da identidade cultural no contexto da globalização. Uma das mais concorridas, na noite de quinta, reuniu os escritores Ziraldo, Maria Adelaide Amaral e Alcione Araújo e o jornalista Fernando Morais. Também foi numa dessas mesas-redondas em que Ana Paula Tavares, depois de indagada se não poderia ser mais alegre, provocou uma reação calorosa ao afirmar que seu país, depois de séculos de tráfico e colonização vive uma guerra de 40 anos, o que deixa Angola numa extrema solidão e angústia. "Um dia, em Luanda, uma criança me cercou e ofereceu uma goiabada brasileira." Ela disse que não compraria, pois não queria engordar. O menino, então, respondeu: "Pode comprar à vontade: tenho uma tia que come goiabada de manhã, de tarde e à noite e é magrinha, magrinha." Também foi numa dessas mesas que o público vaiou uma circular do Ministério da Cultura sobre o programa de incentivo à leitura. A carta pedia que os professores lessem pelo menos um livro com seus alunos por ano e dizia que o ministro Paulo Renato de Souza lançaria a campanha lendo um trecho de livro numa sala de aula. Além de sugerir que os professores não lêem na sala de aula, a circular irritou pela simplicidade com que tocou no problema da promoção da leitura. "Pelo menos ficamos sabendo que o ministro vai começar a ler um livro", disse Ignácio de Loyola Brandão, que conduzia a mesa. O melhor das jornadas de literatura (que se encerram amanhã: foram prorrogadas em um dia), no entanto, ocorre às 17 horas. É quando os autores se encontram com seus leitores, que se prepararam para o encontro durante as pré-jornadas. Como esse público, formado em geral por universitários e professores, leu os livros do autor presente, a conversa caminha com perguntas pertinentes e com respostas esclarecedoras. Nem tudo é perfeito, pois as conversas se dão nas unidades da universidade, distantes dos circos. O jornalista Haroldo Ceravolo Sereza viajou a convite da organização do evento

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