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Na Pele de Josef K, de Beth Lopes, estréia no Teatro Fábrica

O Josef desta peça experimenta uma situação sempre terrível para quem vive numa sociedade voltada para a produtividade e o consumo: está desempregado

Por Agencia Estado
Atualização:

Humor corrosivo e coreografia tão expressiva quanto as palavras são características bem conhecidas do teatro da diretora Beth Lopes, e estarão novamente presentes no palco na estréia hoje, no Teatro Fábrica, da peça Na Pele de Josef K. O título imediatamente remete ao personagem de O Processo, de Kafka. "A única semelhança é a situação absurda, vivida pelo protagonista da peça e, claro, o nome do protagonista", explica a diretora. Luís Cabral - parceiro da diretora em outras montagens - é o autor do texto, na verdade um conto, que Beth leva agora ao palco, na interpretação de quatro jovens atores. A montagem conta ainda com Cibele Forjaz na iluminação e Marcelo Pellegrini na trilha sonora, nomes que por si só funcionam como selo de qualidade na equipe técnica. O Josef desta peça experimenta uma situação sempre terrível para quem vive numa sociedade voltada para a produtividade e o consumo: está desempregado. "Ele se sente humilhado pela família, está abalado em sua dignidade." Tudo muda, e a família comemora, quando Josef é chamado para ocupar uma vaga na antiga empresa, a mesma da qual fora demitido. Mas ao chegar lá, descobre perplexo que sua admissão não será possível porque alguém, por engano, colocou um carimbo de ´morto´ na sua ficha funcional. A partir daí começa um processo burocrático tragicômico. Claro que há uma metáfora aí - o que é estar ´morto´ nos tempos que correm? "A reflexão que estimula a gente neste trabalho passa pela noção de Justiça, do que é certo ou errado", diz Beth. "O que é um excluído? Alguém incompetente? Um homem inteligente e talentoso pode ficar excluído por falta de oportunidade? Será que alguém competente pode ficar à margem porque alguém incompetente ´carimbou´ errado uma ficha?" No caso em questão, evidentemente, Josef não está morto. Mas ficará. Ele é assassinado e esse é o ponto de partida de um julgamento que vai envolver quatro personagens, incluindo o tal ´carimbador´, o chefão da repartição e sua secretária. Os quatro atores - Aura Cunha, Eduardo Mossri, Leonardo Moreira e Maria Helena Chira - se revezam o tempo todo na interpretação desses personagens, um recurso da direção para deixar bem claro que não importa ´o homem´, mas a situação absurda na qual ele foi envolvido. "São quatro pequenas histórias, de quatro suspeitos pelo assassinato", explica Beth. Quem é o culpado? "Começa um julgamento no qual o que interessa, para a gente, é perceber o poder do convencimento, a forma como se seduz pelas palavras. Como os valores que levariam alguém a ocupar determinados espaços são subvertidos e mais do que a competência ou a ética, os jogos de interesse são determinantes." Segundo Beth, a inspiração de Luís Cabral nada teve de irreal. "Ele viveu uma experiência tão absurda quanto a do personagem. Numa rede de televisão, alguém colocou a observação ´persona non grata´ em sua ficha. Ninguém conseguia explicar quem foi e com qual motivação e foi difícil reverter a situação", lembra Beth. "Talvez numa país com outra estrutura social as pessoas ocupem os espaços de acordo com critérios bem definidos. Mas no Brasil, a exclusão - num sentido amplo - é algo que merece discussão e ela passa pela noção de Justiça." Quem conhece o trabalho de Beth Lopes sabe que o drama não será a chave desse trabalho. "Pode parecer paradoxal, mas o humor propicia mais possibilidades de leitura do que o drama, no caso desta peça que tem um tom de denúncia. Nesse caso, a ironia crítica é a arma mais inteligente, porque deixa o público mais à vontade e capaz de perceber as várias camadas dessa trama." E como era de se esperar, a linguagem corporal tem papel preponderante na criação dessa diretora. "O Celso Cury define meu teatro como excêntrico. Não sei se isso é bom ou ruim, mas já me acostumei com isso", brinca Beth. "Minha pesquisa acadêmica baseia-se inteiramente na linguagem do bufão. O deboche, a paródia, o canto, a música, a mistura de passado e presente, a linguagem estilizada, a busca da cena polifônica - tudo isso faz parte da minha linguagem teatral." Na Pele de Josef K. Teatro Fábrica São Paulo (134 lug.). Rua da Consolação 1.623, 3255-5922. 6.ª e sáb., 21h30; dom., 20h30. R$ 20. Até 4/6

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