Na Bienal, Gil canta frevo, elogia ACM e fala em candidatura

Cantor reconheceu que pensava em deixar a Cultura, mas vem repensando a decisão

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Por Agencia Estado
Atualização:

Debaixo da instalação de guarda-chuvas do artista baiano Marepe, na 27.ª Bienal de São Paulo, na tarde desta quinta-feira, o ministro Gilberto Gil parou, dançou e cantou Micróbio do Frevo, de Alan de Oliveira. ?Eu só queria que um dia o frevo chegasse a dominar/Em todo o Brasil/O micróbio do frevo é de amargar/quando entra no salão, é que o povo prefere pra dançar/E quando cai na dobradiça não há quem possa parar?. O frevo é um gênero que comemora seu centenário em 2007, e Gil gravou a música num disco comemorativo a ser lançado em fevereiro. Depois de seu happening, ele comentou o conceito da mostra, após uma rápida visita à exposição, no final da tarde (sintomaticamente chuvosa). ?Nada mais significativo numa bienal como essa do que a idéia de micróbio?, disse. O ministro comentou os apelos que têm recebido para permanecer no Ministério da Cultura a partir de janeiro, para mais quatro anos. ?eu tô registrando tudo isso, e reconsiderando uma posição que tava mais fechada antes, de não querer continuar?. Disse que o presidente Lula, em conversa com ele, na semana passada, fez um único comentário sobre sua gestão: ?O ministério da Cultura é leve?, disse Lula. ?Para mim, foi suficiente como elogio?, afirmou. ?Eu não sou técnico, eu sou poeta. Então, pronto: eu tô no governo como tal?. Gil também elogiou o senador Antonio Carlos Magalhães, que classifica de ?competente?, e não descartou a possibilidade de concorrer à Prefeitura do Rio de Janeiro num momento próximo. O ministro confirmou que deve receber, no seu Camarote 2222, no Carnaval da Bahia, a apresentadora americana Oprah Winfrey, os músicos Quincy Jones, Santana e a irmã de Michael Jackson, Janet. Diz que vai recebê-los como sempre, sem misturar as condições de ministro (caso ainda esteja no cargo) e cantor. ?Esse arranjo aí está estabilizado, uma coisa não atrapalhou a outra, o artista não atrapalhou o ministro?, afirmou. ?Podia ter dado errado. Felizmente não deu. Felizmente eu me dediquei a fazer esse trabalho. Fui suficientemente tranqüilo para entender, o redemoinho causado, a poeira que levantou, não me incomodei de me sujar com essa poeira. Fui suficiente calmo e claro naquilo que estava sendo proposto. A sociedade acabou entendendo." Ele atribuiu sua maior conquista artística nos últimos quatro anos, o prêmio Grammy pelo disco Eletracústico, à mistura de atividades. ?Foi um disco que nasceu dessa simbiose, do meu concerto da ONU, onde procurava processar elementos políticos, sociológicos, no qual Kofi Anan tocou percussão comigo. Foi dali que saiu o conceito, os primeiros elementos formais?. ?As pessoas dizem que eu sou filosofante, ficam fazendo um pouco de chacota com meu estilo, mas acontece que é assim mesmo, a vida é assim, o governo também é assim: tem muito impedimento, tem muita coisa que deve mudar e outra que deve ficar no lugar porque se mudar desarruma demais, de uma forma patológica?. O que o sr. achou da bienal? Muito interessante. Ela deve ter, para os especialistas, um pacto muito forte entre... ela parece que quebra um pouco mais, insiste na ruptura com a visão clássica da obra de arte, mesmo a que já vinham ensaiando a pós-modernidade, como a arte-objeto, os manipuláveis, os penetráveis, todos esses conceitos que já vêm se dando nas artes plásticas. Mas aqui a ruptura é mais violenta, porque a incisão do político, do sociológico, do estatístico, são todas muito mais visíveis, mais claras mais profundas. O descompromisso com a estética, quer dizer, a incorporação de outros elementos da ética. A maior crítica é justamente essa: que é uma bienal panfletária. Mas é assim. Crítica por quem? Por quem não gosta, por quem de certa forma resiste ao movimento do mundo. O sr. acha que (a bienal) incomoda? Sei lá o que. Tem várias formas de se opor a isso aqui. Mas ao mesmo tempo, tem várias formas de se dar, de encontrar nisso o discurso, o dito, e não o interditol. Não a interdição e sim a dicção. Eu adoro, é bacana. Bom, eu sou suspeito para essas coisas, porque tudo que é experimentalismo, a idéia da desconstrução, da dissolução das fronteiras, dos limites, da contigüidade, do compartilhamento, da penetrabilidade de um conceito pelo outro. Eu sou tropicalista, então não dá para não gostar de uma coisa assim. Além do mais, está muito bem montada. As soluções estéticas, o espaço é generosíssimo. É uma instalação, já muito óbvia, que é o próprio edifício da bienal. Você vê aquela metáfora, aquela transmetaforização que aquela japonesa fez, com as colunas, a coisa viral, a metástase das colunas. É muito estimulante para cabeças jovens, para cabeças frescas. O que o sr. gostou mais? O sr. caminhou pela ponte do Ateliê Bow-Wow, que sai para fora da bienal. Ah, muito interessante. Trazendo a paisagem do lado de fora para dentro, instalando a natureza que é exterior a essa grande exterior, ao mesmo tempo propiciando esse olhar de dentro para fora. É muita coisa, é muita trama conceitual. Que eu acho de acordo com os tempos pós-modernos, com essa fratura, essa miçangagem da pós-modernidade. Tudo isso é cabível, acho que já cabe uma bienal como essa, arrojada nesse sentido. Claro que outras no mundo vêm ensaiando isso. Acho que essa daqui faz uma incisão mais profunda, um corte nesse sentido. Se você falar em epistemologia, essa aqui tem um corte novo. Há mais um manifesto ?Fica Gil? hoje aqui. Porque agora todo mundo quer viver junto com o ministro Gil no ministério, mesmo os que foram tão críticos da sua gestão? Bom, a gente só pode pensar que é porque tão achando bom, não é? Primeiro se acostumaram com o convívio. Depois, começaram a fazer a leitura dessa linguagem pós-moderna do ministério atual, com muitos fragmentos... É verdade que o Caetano pediu que o sr. ficasse (no Ministério da Cultura)? Não, ele não me pediu que ficasse. Ele conversou muito comigo na segunda-feira, e nós encontramos linhas de compreensão mútua para uma idéia de permanência, de continuação de trabalho. Eu tô conversando com o presidente. O processo de vida é assim mesmo, tem que pegar, porque o dia de amanhã não é o de hoje, tem de ser feito com o hoje, mas também com o que não está ainda posto hoje. A construção e a desconstrução da próxima noite, o ânimo e o desânimo, a alta temperatura da tarde de hoje e o desânimo da manhã seguinte. Tudo isso jogado junto, é tudo junto porque tem vida humana, tem eu pessoa, tem as pessoas próximas, tem meu limite físico, ao mesmo tempo tem uma desmesura do ideal, desmesura da vontade, da religiosidade, né? Da idéia de religar tudo. É uma coisa. Ao mesmo tempo há o limite da máquina governamental, da máquina do mundo. Há tudo, muita coisa. É muito lúdico também, mas não é uma brincadeira. As conversas que o sr. tem tido com artistas o têm sensibilizado? Tem sim, porque elas têm aspectos primeiro para esse lado pessoal, que é o lado da limitação física, psíquica, o fato de a gente se achar pequeno para tarefas tão gigantes, isso tudo é compensado por essa palavra do outro que estimula, que diz: ?Não, você é pequeno mas dá. Sua força é pouca mas é suficiente?. Tem esse ânimo. Além da lisonja. É muito lisonjeiro as pessoas dizerem sim para que você diga sim por elas. É muito importante, tem um valor de transmissão de positividade. Além do mais, tem esse lado da própria força comunitária, essa capacidade de se aglutinar em torno de idéias, de projetos e tudo. Quando um elemento vindo da vida governamental pode provocar isso, num mundo que se desencanta cada vez mais com os processos que vêm da política, da gestão pública, quando tem gente se reunindo em torno da idéia da sustentabilidade de uma posição no governo, é bonito, é bom para a democracia, para a construção republicana do Brasil, para a idéia de cidadania. Uma cidadania transcorporativa: governos, estados, muitos secretários, gente da área internacional se manifestando favoráveis à permanência, ministros, setores empresariais, civis, e especialmente da dinâmica comunitária brasileira, as comunidades simples, que têm sido contempladas com programas interessantes do ministério, e tudo o mais, e que estão muito exultantes, satisfeitas com o fato de que possa haver política pública de um governo brasileiro. São questões que estão postas e que, evidentemente, me levam a refletir. Não posso ignorar essas coisas, porque eu não quero inclusive ser identificado com uma idéia de soberba: ?Não, eu estou acima de tudo isso, minha vida pessoal é mais importante do que tudo isso, aquilo que eu falei: quero voltar para o meu silêncio?. Aí outro dia, um rapaz, um senhor, um executivo bem engravatado disse: ?Gil, tudo bem com seu silêncio, mas depois você volta para o seu silêncio, vamos continuar no meio do barulho, no meio da zoada, que nós precisamos de você?. Então, eu tô registrando tudo isso, e reconsiderando uma posição que tava mais fechada antes, de não querer continuar, eu tô reconsiderando. Até o fim dessa semana, assim que eu voltar a falar com o presidente. Tentei falar com ele anteontem e ontem. Tenho a impressão de que lá para terça-feira, Quarta-feira... Há também uma demanda para que o sr. se candidate à Prefeitura do Rio. Cada coisa de uma vez. Não o atrai a idéia? Não é que não me atraia. Eu já quis ser prefeito de Salvador. Então não tem nada de muito inédito com o tema. Mas agora quero pensar no ministério. Quanto ao desencanto com a política, o Rio de Janeiro parece campeão atualmente. Se bem que tenho visto a leitura mais atual na população carioca, de reanimação, diante da eleição do Sérgio Cabral, da articulação dele com o governo federal, do arquivamento de certas práticas políticas, parece que isso está assegurado com ele. Ele quer renovar, está dialogando mais abertamente, de forma mais republicana com setores amplos da sociedade, e essas vozes estão audíveis na vida do Rio de Janeiro e é possível que se possa iniciar agora um novo período. Que nome o sr. indicaria pra substituí-lo no Ministério da Cultura? Não cheguei a pôr isso na mesa com o presidente. Evidentemente que cheguei a pensar, em casa, pensei nisso, naquilo, alguém do próprio ministério, de fora, da área política, algum outro ícone da vida cultural, mas não cheguei realmente a nenhum nome. Que outro ícone? Não vou responder assim. Carlinhos Brown? Não, não, não. Tudo coisa minha, ali. Em sua opinião, o que significou a eleição de Jaques Wagner na Bahia? Uma renovação, a quebra de um longo período de presença de um grupo político comandado por um grande cacique político, que é o senador ACM, de um corpo competente de técnicos e tecnocratas que o acompanham há muito tempo, a exemplo do próprio atual governador, Paulo Souto, o ex-prefeito (Antonio) Imbassahy, que cresceram como personalidades políticas, gestores públicos. O sr. julga que eles são competentes? Sem dúvida. ACM é um gestor competentíssimo. Então, o que muda? Muda a política, muda a visão, tem um arejamento geracional necessário, de gente que abre outras janelas, tem outra visão, que já começa a transpor o simplismo do padrão ideológico, que marcou muito: esquerda e direita, conservadorismo e não conservadorismo. Que é o caso do próprio Jaques Wagner, um jovem político muito aberto, arejado, que tem disposição de dialogar com áreas políticas e transpolíticas, quer trazer aspectos diferentes da energia social para dentro da política. O sr. diz que ACM é competente. Qual é a competência dele, que nunca entendi direito? Nunca entendeu? Vá na Bahia que você entende. É a figura, é o simbolismo? É o gosto pelo trabalho que ele tem, muito forte, um compromisso com essa idéia de realização, que é um conceito clássico da política, mas nem sempre cultivado a rigor pelos políticos. Ele passou a vida toda dele com essa idéia de trabalhar, de fazer coisas. Tem seus traços pessoais, é uma pessoa com características nem sempre... Autoritarismo é uma delas? ... é, (qualidades) nem sempre facilitadoras do convívio, do contato. Mas tem sido a marca principal dele essa coisa da competência gerencial da máquina do Estado para realização de coisas, de obras. Por isso que ele se cercou sempre, especialmente nos últimos anos, foi formando quadros interessantes de gestores, já citei dois deles. E agora vem outra turma, como veio outra turma com Lula. Tem muita coisa para mudar no segundo mandato de Lula? Sei lá, tudo que a gente fizer para mudar. Eu e você. Tem sempre, tudo permanece igual e tudo muda o tempo todo. As pessoas dizem que eu sou filosofante, ficam fazendo um pouco de chacota com meu estilo, mas acontece que é assim mesmo, a vida é assim, o governo também é assim: tem muito impedimento, tem muita coisa que deve mudar e outra que deve ficar no lugar porque se mudar desarruma demais, de uma forma patológica. Por outro lado, há coisas que, se permanecem, definem uma patologia irreversível, são como cirurgias que têm de ser feitas, senão o organismo perece. Eu não sou técnico, eu sou poeta. Então, pronto: eu tô no governo como tal. Qual foi, no seu entender, a plataforma desse período no Ministério da Cultura? A plataforma do Ministério da Cultura foi a intensificação do diálogo entre as formas elitistas e as formas populares, cuidando de ambas, e estimulando que elas se interpenetrem, se comuniquem, intercambiem seus valores. E para isso é preciso que os valores delas estejam minimamente estabelecidos. É preciso dar valor ao frevo, não é?

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