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Músicos britânicos temem o Brexit

Uma das questões é que em grande parte os financiamentos vêm da União Europeia

Por Andrew Dickson
Atualização:

O compositor britânico Howard Goodall estava num aeroporto de Londres, em março, em viagem para Houston. No balcão de câmbio, um funcionário perguntou-lhe se a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (UE), o Brexit, seria boa para sua atividade. Goodall respondeu que não, e acrescentou que as consequências seriam “desastrosas”. O funcionário então comentou que todos a quem fazia a pergunta diziam a mesma coisa.

Para Daniel Barenboim, pertencer à UE traz benefício Foto: Axel Schmidt/Reuters

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Goodall postou o diálogo no Twitter, que teve pelo menos 1,6 milhão de leitores, foi retuitada 8.500 vezes e recebeu cerca de 19 mil likes. Quando uma parlamentar pró-Brexit, Nadine Dorries, lhe pediu para explicar por que, exatamente, o impacto seria tão negativo, Goodall respondeu em seu blog com um texto argumentativo e apaixonado de 3.400 palavras.

A Grã-Bretanha vive o psicodrama do Brexit. Um acordo negociado em julho pela primeira-ministra Theresa May levou à renúncia de membros do gabinete. A luta pelo poder dentro do Partido Conservador parece se agravar e líderes empresariais estão cada vez mais assustados.

Da indústria automobilística a instituições financeiras, de fábricas de avião ao setor energético, todos estão aflitos sobre o muito a ser ainda negociado. No mês passado, a Amazon engrossou as queixas. Doug Gurr, o principal executivo da empresa na Grã-Bretanha, advertiu que se o país sair da UE sem negociar um novo arranjo com o bloco haverá agitação civil.

Nesse quadro, o setor de música clássica também está inquieto. Músicos de ponta como os pianistas-maestros Vladimir Ashkenazy e Daniel Barenboim estão com graves dúvidas. Em dezembro, a Associação das Orquestras Britânicas apresentou um estudo mostrando quantas orquestras dependem financeiramente de turnês internacionais e os benefícios decorrentes de o país pertencer à UE.

Em julho, a Câmara dos Lordes divulgou relatório advertindo que os planos do governo para a vida fora do bloco são “preocupantemente vagos”, particularmente no que se refere à imigração. Segundo o relatório, podem ocorrer sérias repercussões no setor cultural se se dificultar a entrada de executantes e artistas da área de criação na Grã-Bretanha.

A Orquestra Jovem da UE já anunciou que sua equipe administrativa está deixando Londres para se estabelecer em Ferrara, Itália. “Não dá para sair da UE e pedir que ela continue nos financiando”, garantiu o principal executivo do escritório, Marshall Marcus.

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Meses após o diálogo no aeroporto, Goodall continua irritado. Ele se diz realista: música clássica nunca estará na lista de altas prioridades. No entanto, está satisfeito porque seus argumentos estão sendo usados por grupos lobistas grandes e bem financiados.

Segundo Goodall, enquanto muitas indústrias tradicionais britânicas vêm encolhendo, a cultura é um setor que continua exportando produtos de qualidade. De acordo com o Departamento de Atividades Digitais, Cultura, Mídia e Esportes da Grã-Bretanha, a indústria de criação gerou £92 bilhões (US$ 126 bilhões) para a economia britânica em 2016. “A indústria de música é internacional, assim como nossa reputação nesse campo, mas corremos o risco de perdê-la”, afirmou Goodall.

Michael Jay, presidente da comissão que produziu o relatório da Câmara dos Lordes, concorda. “Trabalhadores do setor cultural da Grã-Bretanha têm grande mobilidade e atuam em colaboração com gente de todo o mundo.”

Para a indústria de criação, um grande problema seria a Grã-Bretanha se desvincular de acordos que garantem a liberdade de locomoção na UE – que permite aos cidadãos do bloco não apenas viajar para qualquer país da UE, mas trabalhar em qualquer um deles. Teresa May, porém, disse que a Grã-Bretanha vai se retirar do sistema de livre locomoção, sem esclarecer que novas regras de imigração vão substituí-lo. Ela falou apenas vagamente num “quadro de mobilidade”.

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Se for exigido de grupos musicais britânicos a requisição de visto para concertos no exterior, bem como de licenças para viajar com instrumentos, vai ficar mais difícil fazer uma turnê – e, considerando-se novas despesas com a burocracia, mais difícil ainda será fazer turnês financeiramente viáveis.

Teatros líricos ficam particularmente vulneráveis com o Brexit, disse Wasfi Kani, que dirige a Grange Park Opera, pequena e bem-sucedida companhia de Surrey, sul de Londres. “Digamos que um tenor italiano passe mal e precise ser substituído. Essa substituição ficará cara e complicada”, lembrou ela, explicando que a Grange depende muito de cantores europeus.

Há outras preocupações, como o futuro de milhares de estudantes de música da UE matriculados em escolas britânicas, as regulamentações pan-europeias de propriedade intelectual e os financiamentos à cultura que fluem de instituições do bloco. Enquanto se discute a saída da Grã-Bretanha, esses e muitos outros problemas estão em aberto. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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