Músico de São Paulo no século XVIII

 

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Por Régis Duprat
Atualização:

 

No último quartel do século dezoito o panorama demográfico da pequena vila de São Paulo de Piratininga com seus 8.000 habitantes (1), configura uma conjuntura carente de solicitação em relação à música. Com bispado criado em 1745, São Paulo vivera mais vinte anos administrativamente dependente. Após 1765 a presença dos governadores, o primeiro dos quais Dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, incentivaria atividades sociais integrando razoável cultura musical leiga, profana, não litúrgico-religiosa. Na própria música de igreja, estritamente litúrgica ou não, dentro ou fora do templo, a atividade musical se desenvolve sobre pobre contexto musical acumulado historicamente. Não se formara até então uma categoria numerosa de músicos profissionais vivendo de seu ofício e contribuindo para a expansão do mesmo.

 

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Em 1774 a Casa de Ópera "...Não reprezenta formalmente todas as semanas como em outras partes, mas sim quando sucede, e em dias mayores, porque também não rende o Lucro suficiente para se conservar regularmente e à parte" (2). Nesse mesmo ano instaura-se nova fase na atividade musical da Sé de São Paulo com o brilhantismo e suntuosidade das festas anuais promovidas pelo bispado recém-estabelecido e patrocinadas especialmente pelo terceiro bispo, Dom Manuel da Ressurreição (3) e seu mestre de capela, André da Silva Gomes, compositor e reorganizador da música da Sé. Em ofício de 20 de fevereiro de 1776 ao Ministro de Ultramar diz o Governador Geral da Capitania, Lobo de Saldanha, que: "Na mesma Sé se faz o culto divino com tanta perfeição como em nenhuma outra da América se fará; e certamente em nenhuma outra se faz tantas Festividades como o Bispo desta cidade faz..."

 

André da Silva Gomes (4), quarto mestre da capela da Sé de São Paulo, nasceu em Lisboa no mês de dezembro de 1752 como consta do assento de batismo realizado na freguesia de Santa Engrácia e que localizamos na Tórre do Tombo daquela cidade (5). Conforme o referido assento, André foi batizado aos 15 de dezembro em casa de seus pais por estar em perigo de vida e ao 1º de janeiro levaram-no os pais à igreja para receber os santos óleos na pia batismal. Era filho legitimo de Francisco da Silva Gomes e de Ignácia Roza, naturais de Lisboa, como consta também do têrmo de seu casamento um ano após sua chegada a São Paulo, com a viuva Maria Garcia de Jesus, a 26 de setembro de 1775, na paróquia de Sé (6).

 

Antonio Ezidio Martins em seu livro sôbre São Paulo nos diz que André foi trazido pelo terceiro bispo de São Paulo em fins de 1773 (7) para organizar e reger o côro de música da catedral o qual até então não teria existido, começando a fazê-lo em princípios de 1774 e a regê-lo como primeiro mestre da nova Sé (8), cargo que teria desempenhado gratuitamente durante cinquenta anos, distribuindo o ordenado e demais emolumentos do cargo entre os músicos (9). Ressalvemos algumas destas afirmações eivadas de romantismo e não calcadas na documentação.

Sua vinda com o terceiro bispo é confirmada pela "Relação da Família que leva em sua Companhia, o Exmo. e Rmo. bispo de S. Paulo" (10); passaporte obtido em dezembro de 1773. A provisão de 8 de novembro de 1790 com que a Rainha de Portugal, Dona Maria, confirma no cargo de mestre da capela da Sé a André da Silva Gomes também corrobora o fato (11).

 

Chega André ao Brasil bastante jovem, com 21 anos. As condições iniciais de sua formação cultural e musical permanecem ignoradas não obstante as exaustivas pesquisas que realizei nos arquivos portuguêses. Nessa época revoluciona o ambiente musical português a figura do napolitano David Perez, dedicado à composição lírica e religiosa, interessado pelas condições didáticas para o ensino da teoria da música, solfejo, baixo cifrado, acompanhamento etc. Levado a Lisboa, em 1752, por convite de Dom José I, ali permaneceu até a sua morte, ocorrida por volta de 1780. Diretor da Capela Patriarcal, dedicou-se inicialmente à educação musical dos filhos do rei e, por publicações e pela doutrina oral, generalizou-se em Portugal o ensino musical sistematizado, contribuindo para reafirmar a música erudita portuguêsa dentro da cultura musical européia da época.

 

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Com tais influências projeta-se uma plêiade de compositores portuguêses, dentre os quais citemos João Cordeiro da Silva, José Carneiro de Souza, João de Souza Carvalho, José Joaquim dos Santos, Luciano Xavier dos Santos e outros, cujas obras figuram nas programações lisboetas ao lado de Pórpora, Cimarosa, Piccinni, Pergolesi, David Perez...

 

Obras religiosas destes autores eram conhecidos de André da Silva Gomes. Peças de João Cordeiro da Silva, José Joaquim dos Santos e outros portuguêses e italianos são copiadas do próprio punho de André. O achado por nós efetuado, também na capital de São Paulo, de cópia da partitura de um Miserere, de David Perez, datado de 1784, comprova o conhecimento dêsses autores em São Paulo de então. Encontrei em pesquisa, igualmente, peça de José Joaquim dos Santos contendo cópias de André anteriores a 1780 e outras, de 1885, assinadas por copistas de nome ilegível, demonstrando a contínua execução de tal peça através de mais de um século.

 

Conforme o catálogo das obras de André da Silva Gomes que elaborei para o "Repertoire International des Sources Musicales", já no ano de 1774, esse compositor de São Paulo colonial já produz intensamente, a par de seus esforços de reorganização da capela de música da Sé; e produz para o consumo imediato. A intensidade dessa produção inicial, espontanea no jovem que chega, vai de encontro às preocupações do bispado: a obtenção de estabilidade da capela de música da Sé, até então dificultada pela módica remuneração, disputas civil-eclesiásticas, modesta solicitação e recursos do meio social.

 

Se calcularmos os recursos provindo de sua participação com música nas festas extraordinárias e nas das irmandades de São Paulo, constaremos que André obtinha anualmente, além do ordenado de quarenta mil réis anuais como mestre da capela da Sé, mais outros tantos assim distribuidos: festas do Senado da Camara – Corpo de Deus, São Sebastião e Anjo Custódio do Reino, 21.600 réis; Ordem Terceira do Carmo, 12.400 réis; o Irmandade do Santíssimo Sacramento, 9.600 réis; perfazendo um total de 83.600 réis anuais. Acresceriam serviços eventuais de música em ofícios funebres e outros como por exemplo:

 

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"Recebi do Sñr. Matheus da Sa. Bueno a qta. de dezeseis mil r. do Offício q aqle d.o Sr. mandou fazer de Muzica no Convto do Carmo desta Cide. no dia do Funeral da Sra. D. Maria mulher do d.o Sr. e por ser verde, pasei o prezio por mim fto e asignado. S. Paulo 29 de Julho de 1781 a André da Sa. Gomes" (12).

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A irmandade do Santíssimo Sacramento, sempre atuante na Sé, como a de São Miguel e Almas, mandava rezar missa com música na Dominga Grande, festejando a data magna da confraria. O mestre da capela nestas funções era André, talvez logo após sua chegada em 1774, apesar de somente em 1789 seu nome aparecer citado nos documentos da confraria nas referidas funções (13). A partir de 1781 é seguramente ele que responde pelas funções musicais e ali teria permanecido até 1801 quando abandona todos os serviços eventuais fora da capela da Sé. Os elementos de que dispunha àquela época –1789 – eram Ignácio Xavier de Carvalho, organista da Sé, e um côro de rapazes sendo assinaladas também despesas com fagote, trompas e clarim implicando numa orquestração com violinos, violoncelo e contrabaixo. Em 1813 André ingressa na irmandade do Santissimo na qualidade de Irmão tendo, em 1814 e 1821, figurado na mesa ou diretoria da confraria ao lado de figuras de projeção e prestígio em São Paulo de então, como o Coronel Manuel Rodrigues Jordão, o Capitão Franco da Rocha e os irmãos Xavier de Toledo.

 

As comemorações da Semana Santa na Ordem Terceira do Carmo consistiam em procissão do entêrro do Senhor na sexta-feira e Missa cantada no sábado de Aleluia, como expressa o seguinte assento do ano de 1789;

Dro. q’ deo ao Me. da Capella o Capm André da Sa. Gomes da Muzica q’ poz na Procissam do Triumpho, e da q’ assitio no sabado segte. na Missa do recibo n.o 7 – 12.400" (14).

 

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Tais festas realizavam-se na própria igreja da Ordem Terceira, ainda hoje atuante. De 1793 a 1797 interrompem-se as festas com música, talvez por razões de economia acarretada pela compra e transporte do órgão vindo de Lisboa, despesa montante em 372$540 réis em 1794 e de cujos gastos não deixaram de transparecer descontentamento na diretoria da irmandade. Em 1798 retornam os serviços musicais na festa anual, especialmente na procissão do Triunfo.

 

As festas reais patrocinadas pela Camara e realizadas no Brasil desde os primórdios da civilização nunca sofreram solução de continuidade. Três eram as festas importantes e esplendorosas: a do anjo Custódio do Reino, a de São Sebastião e especialmente a do Corpo de Deus; tôdas requeriam a participação do mestre da capela com sua música, músicos cantores e instrumentistas. A ultima festa citada exigia sempre cuidados e gastos especiais do Senado da Camara. Edital advertia os moradores de que as ruas por onde passasse a procissão deveriam ser preparadas "sem buracos alguns" e as paredes das casas caiadas bem como suas janelas ornadas "com os melhores ornamentos" e tudo sob pena de multas ou cadeia... As lojas e tabernas fechavam-se nesses dias e a cidade adquiria a atmosfera especial de um feriado.

 

O séquito processional era anunciado na véspera por trombeteiros e timbaleiros que percorriam a cidade a cavalo, uniformizados com tôda pompa. Nesses dias fazia-se no pátio da Sé e da Casa da Camara uma limpeza completa e a igreja recebia bancos para comportar os fiéis que compareciam em massa pois todos os povos eram convidados a acompanhar a procissão que saia da catedral, tudo iluminado abundantemente por velas e tochas.

Nos anos logo subsequentes à sua chegada André realizava a música dessas festas anuais do Senado da Camara e em 1779 requer aos vereadores paulistanos:

 

"...lhe seja concedido aumento na spórtula de 8.000 réis anualmente atribuida à parte musical da festa do Corpo de Deus. Tomando conhecimento da petição, concordaram os edís em dar-lhe a quantia de 9.600 réis, com a condição de pôr este na dita música rebecas e trompas que ficasse capaz" (15).

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Após 1801 os mestres de capela nas festas da Camara são seus discípulos, o Padre Antonio Romualdo Freire de Vasconcelos, até 1811; e até após a independencia, o Capitão Francisco de Paula Leite Prestes. Em 1822 André declina de convite da Camara para dirigir a música na festa do corpo de Deus.

 

Nos livros de provisões e patentes (16) verifica-se que a patente de capitão foi passada a André da Silva Gomes em Março de 1789:

"Aos 10 de Março de 1789 paçouse Pate. a André da Sa. Gomes do posto de Capm. Agregado àprimra. compa. do Primro. Terso de Infatra. Auxar. de Serra acima, e q hé Me, de Campo Francisco Xer. dos Santos".

 

Os Censos de 1794 e 1795 citam-no ainda como capitão e o de 1798 como tenente-coronel, promoção ocorrida entre 95 e 98 e não localizada nas patentes e provisões.

 

Sua função no 1.o Regimento de Infantaria Miliciana era dirigir a corporação musical cuja atividade vem citada no Livro de Vereanças n.o 50 da Camara Municipal de São Paulo em 1821. A corporação musical de cada regimento de infantaria e artilharia era composta de 12 membros: tambores, pífanos – flautins – e clarins, provavelmente distribuidos em grupos de quatro. A dos regimentos de cavalaria era composta de 9 elementos dentre os quais um timbaleiro. Em 1802, dos onze regimentos de milicia sediados na capital de São Paulo apenas cinco possuiam quadros completos da corporação musical com treze vagas e três ausencias num total de 123 postos existentes. Os Regimentos eram cinco de infantaria, três de artilharia e três de cavalaria.

 

Apesar de ter consultado exaustivamente e abundantemente a documentação dos regimentos militares de São Paulo da época no Arquivo Publico do Estado de São Paulo e no Arquivo Historico Ultramarino de Lisboa, nunca deparei com o nome de André nos pagamentos efetuados à tropa.

Antonio Egidio Martins ressaltando a personalidade altruistica de André da Silva Gomes afirma que este lecionava meninos pobres gratuitamente criando outros, enjeitados ou orfãos. Os censos da capital comprovam a manutenção sucessiva por André, de 16 agregados aos quais ministrava formação musical e primeiras letras, sustentando-os como a filhos adotivos e dando-lhes o nome da familia. Isto sucede como o "menino do coro" Antonio Pedro que assina posteriormente Antonio Pedro da Silva Gomes. Foi seu aluno nas aulas de gramatica latina em 1815 e reside com o casal - Garcia é o sobrenome da mãe adotiva – desde a tenra idade de 2 a 3 anos até inclusive quando, abraçando o sacerdocio, é capelão da Sé Antonio Pedro e autor de copias de músicas do pai e mestre, o que denota a orientação musical na sua formação.

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Como Antonio Pedro e Joaquim Mariano, Joaquim Maximo Garcia da Silva é também filho de pais incognitos, adotado e educado por André e, frequentando aulas de gramatica latina, abraça também o sacerdocio. O censo de 1794 indica quatro agregados musicos embora apenas dois deles tivessem idade suficiente para sê-lo... Demonstraria tal qualitativo o conhecimento, por parte do rescenseador da intenção do preceptor em torná-los músicos?... Em 1784 um dos agregados acolhidos em casa de André é Joaquim José, então com 14 anos. Em 1805 a música nas festas da Ordem Terceira do Carmo está a cargo do mestre da capela Joaquim José da Silva cujo sobrenome é bem o do mestre que aventamos pai adotivo, usando aliás, pelos demais agregados e filhos adotivos citados. Logo após sua chegada em 1776, reside com ele o musico Bernardino José, de 32 anos. O ambiente musicalmente restrito antepunha-lhe não pequenas dificuldades, não dispondo de instrumentistas e cantores. Dá, então, ao meio, sua contribuição pedagogica inestimavel.

 

Após 1797 o mestre da capela da Sé dedica-se profissionalmente ao ensino do latim. Depois de querer algumas funções que lhe possibilitariam independencia economica relativamente à capela de música André é nomeado interinamente para o cargo de professor régio de gramatica latina da cidade de São Paulo por falecimento de Pedro Homem da Costa. Passou então a receber ordenado dez vezes maior do que como mestre da capela... E para garantir tal posto requer imediatamente à Rainha lhe fôsse passada pela junta de Administração e Arrecadação da Real Fazenda da Capitania de São Paulo certidão atestando o exercicio do cargo desde que começara a vencer ordenado, para poder apresentar novos requerimentos à Rainha. No processo de efetivação no cargo, obtida em 1801, André teria no bispo D. Mateus de Abreu Pereira informante a apoiá-lo incondicionalmente.

 

Compreenderia o prelado a mecanica da capela de música e veria naquele provimento a própria solução de estabilidade da música na Sé? Com a efetivação, André abandona todas as atividades musicais além da Sé e nesta, abre mão do salário em beneficio da capela de música da catedral. Em 1820, com 68 anos de idade, André exerce efetivamente o cargo de mestre de latim, remetendo matriculas e relações semanais dos alunos de sua classe à secretaria do govêrno e examinando, como sempre o fêz, a todos os candidatos a cargos de magisterio na capitania de São Paulo. Sua envergadura de mestre desponta confirmada por interessante documentação na qual são abordados seus metodos, hoje muito modernos, de ensino e que atualmente compilo para publicar.

 

As condições economicas de André só se estabilizam em 1797 quando da posse da cadeira de gramatica latina. Nos primeiros anos elas não seriam senão regulares. A casa onde morava, com mulher, enteada, agregados e escravos, no Patio de São Gonçalo n.o 7, esquina da então rua do Ouvidor, depois Esperança e ladeando hoje a parte direta da atual catedral, foi comprada com minguados recursos depois de 16 anos de permanencia em São Paulo, a 21 de fevereiro de 1790. Comprou-a nessa data pela importancia de 179$800 réis do Conego Faustino Xavier do Prado:

 

"Escritura de compra e venda de hua morada de cazas citas no patio de Sam Gonsalo terrias de dous lansos de paredes de taipa de pilam cobertas de telha com seu quintal morado..."

Esta mesma casa foi vendida em 1832 por um conto e seiscentos mil réis ao brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar (17)

André da Silva Gomes integrou, como representante da instrução publica, o Govêrno provisório estabelecido em São Paulo a 23 de Junho de 1821, em consequência de um movimento liberal refletindo a instauração do regime constitucional em Lisboa no ano anterior. Para isso contribuiram condições locais, insatisfação da tropa, desprestígio do governador e ameaça de anarquia e insurreição. Com apoio da tropa foi proposta e aceita a formação de govêrno provisório tendo como presidente o ex-capitão-general João Carlos de Oeynhausen, e como vice-presidente José Carlos de Andrada e Silva. Os dois representantes da instrução publica foram André da Silva Gomes e o Padre Francisco de Paula Oliveira.

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Azevedo Marques transcreve do Registro de Vereanças da Camara de São Paulo que "...eleitos os representantes do povo, escolhidos e aclamados em praça publica, foram chamados, à sala da Camara, onde se lavrou o ato de vereança. Depois sairam todos e se dirigiram à casa do presidente... marchava à frente a música do batalhão de caçadores. Seguia-se logo a Camara com seu estandarte no meio dos deputados eleitos. Após, marchava o povo de mistura com os oficiais de todos os corpos cantando o hino constitucional que a música ia tocando. Fechava a marcha a música do 1.° Regimento de Milícias". Retornaram a Camara com o Presidente, prestando ali juramento e "...findo este ato saíram todos e se dirigiram à Catedral onde foi cantado um solene Te Deum em ação de graças ao Eterno por tão grandes benefícios".

Nas dissidências que minariam o govêrno provisório, culminando com o movimento da Bernarda de Francisco de Inácio, incompatibilizando a ala liberal liderada pelos Andradas, com a ala "retrógrada", André, então homem de setenta anos, tomara o partido da primeira.

 

As primeiras composições de André, datadas e assinadas, remontam ao ano de sua chegada a São Paulo. De 1774 estão datados os Noturnos de Natal para 4 vozes mistas, violinos, trompas e contínuo e o Salmo "Deprofundis" para 4 vozes e órgão. Os mutilados e incompletos Noturnos para sexta-feira trazem a data de 1775. Dessa época dispomos ainda de vários originais autógrafos de André, sem data precisa. São êles, diversos salmos, duas matinas, uma missa, uma nôa, um noturno de quinta-feira, dois ofícios matutinos e um miserere, a maioria deles incompletos e mutilados.

Trazidas de Portugal ou aqui copiadas por êle são também da fase de 1774 diversas peças, na maioria salmos, de compositores portuguêses e italianos como João Cordeiro da Silva, José Gomes Vellozo, Josepho di Porcari, Gio Biordi Romano e outros.

Na pesquisa sistemática que desenvolvi para situar em diversos acervos documentais as obras musicais de André da Silva Gomes, consegui, após três anos de intensa busca, reunir o conhecimento de uma centena delas, das quais procedi à restauração de uma dezena de partituras que pude estudar aprofundamente. Dentre elas, a grande Missa a 8 vozes e Instrumentos, hoje editada e gravada, dediquei seis anos de intenso labor, pelo que posso considerá-la em posição privilegiada no conjunto geral de sua obra. Solidamente estruturada, sua escritura é clara, de rico vocabulário e resultados sonoros, com diversificação tonal, contraste e variedade dosados com equilibrio, profunda afetuosidade de períodos e momentos, economia de meios na textura e rigor impecável da estrutura fugada e fugal emprestam a essa obra considerável fôrça.

 

André da Silva Gomes faleceu aos 17 de Julho de 1844 com 92 anos incompletos. "Seu corpo envolto em hábito de São Francisco (terceiro de S. Francisco) foi acompanhado por todos os capellais em entêrro solemne..." (19) após ter vivido os ultimos vinte anos em sua casa da Rua da Esperança n.o 7.

 

1. O Censo da Capital de 1776 indica 2.066 habitantes. O de 1778, 5.103, não incluídos os bairros periféricos. Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, População, Capital, Cx.80

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2. Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (AHUL)SP. cat. d. 2666.

 

3. AHUL, SP. Autamenati. ex. 7A Maço. 27. n.o 5.

 

4. Antonio Egídio Martins com seu livro de

reminiscências sobre "São Paulo Antigo" e o autor modelo para os poucos que têm citado André da Silva Gomes. O primeiro trabalho cientifico sobre este musico é a excelente pequena monografia de Clóvis de Oliveira "André da Silva Gomes, o mestre da capela da Sé", publicada em São Paulo em 1954. Posteriormente aprofundei as pesquisas e estudos sobre André trabalhando inclusive nos arquivos portuguêses e descobrindo e catalogando suas obras musicais. Tal objeto integrou também nosso doutoramento à Universidade de Brasília, em 1965, sob o título de "Música na Matriz e Sé de São Paulo colonial". O presente artigo é uma pequena súmula de um dos capítulos do trabalho em questão.

 

5. Arquivo Nacional da Tôrre do Tombo, reg. paroq. 1.° 9 f. 93 v.

 

6. Arquivo da Curia Metropolitana de São Paulo (ACMSP), L.° 2-2-29, f. 101.

 

7. Azevedo Marques nos apontamentos para a História de São Paulo afirma que o 3.° bispo chegou a São Paulo a 19 de Março de 1774.

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8. O título de 1.° mestre da capela da Sé cabe ao padre Matias Alvares Tórres.

 

9. Cf. ofício de ASG – Arquivo Municipal de São Paulo, papéis avulsos, 1822 – desde 1801 prestou serviços gratuitos para a catedral.

 

10. AHUL, Passaportes, cod .103 f. 41 e v.

 

11. ACMSP, L.° 4-2-31, f. 75 R e v.

 

12. ACMSP, Contos do Testamento de Maria Joaquina da Silva Castro, f. 12. Não Invent.

 

13. ACMSP, 1.° 12-3-13 f. 15.

 

14. Arquivo da Veneranda Ordem Terceira do Carmo L.° 13. f. 17.

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15. Cf. C. P. Rezende, citado por Clóvis de Oliveira. op. cit.

 

16. DAESP. ex. 369. L. ° 25 f. 44.

 

17. 1.o tabelião de São Paulo, L.° 33. L. 89. e v.

 

18. Esta Missa foi editada pela Universidade de Brasília em 1966 e está hoje registrada fonograficamente pela Festa IG 79.501. Foi executada em primeira audição na inauguração do Museu de Arte Sacra de São Paulo, no convento da Luz, a 28 de Junho p. passado, sob a regência do Maestro Julio Medaglia.

 

19. ACMSP, L.° 3-2-7, f. 6 v.

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