Música pop embala "Casa dos Artistas"

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

A trilha sonora do reality show Casa dos Artistas prova que não é preciso empanturrar o público de Wanessa Camargo, Belo, Alexandre Pires, Família Lima e outras barbaridades para se obter um sucesso popular na televisão. Diversidade também pode ser um bom negócio. Com inserções regulares de I Say a Little Pray for You, sucesso dos anos 70 de Burt Bacharach e Hal Davis; ou Aretha Franklin cantando qualquer coisa; ou o argelino Khaled e seu megassucesso El Arbi; ou mesmo Supla grunhindo a malemolente bossa´n´roll Green Hair (celebrizada como Japa Girl), a direção da Casa dos Artistas, no SBT, mostra que música é um negócio que transcende classes sociais e barreiras culturais. Mesmo as performances "incidentais" do grupo não são deslocadas, ajudam a reforçar a tese do diretor (Rodrigo Carelli, revelando-se um ás no negócio): passam de Tempo Perdido (de Renato Russo, com Supla ao violão) a O Meu Sangue Ferve por Você (clássico brega de Sidney Magall, coro puxado por Patrícia Coelho). E - cafonice das cafonices sagradas - Patrícia Coelho e Mari Alexandre cantando um sucesso da paraguaia Perla no meio da sala. A música desempenha papel fundamental na narrativa desse novo esqueleto de novela. No sábado, por exemplo, foi ao ar o Botequim dos Artistas, com todos vestidos de malandros de gafieira, dançando ao som de Beth Carvalho (Vou Festejar), Gonzagão (Eu só Quero um Xodó) e até Jane e Herondy (Não se Vá). Festinhas ao som da disco music, standards da música de salão, como Flashdance, a nostalgia infanto-juvenil de Os Saltimbancos: tudo para reforçar a "ação" de Casa dos Artistas, criando matéria onde só há um buraco negro existencial. É um mérito indiscutível do diretor. Claro, há sempre um inconveniente: ser obrigado a ouvir a avant-première de todo o disco O Charada Brasileiro, de Supla, é um desses calvários. Mas também pintam boas surpresas, quem sabe se não assopradas pela produção? Taiguara cantou uma música dos Racionais para Núbia. "Tem que saber curtir, tem que saber levar/Qual mentira vou acreditar?/A noite é assim mesmo, tem que saber levar/Qual mentira vou acreditar?" A habilidade está em fazer com que essas inserções não pareçam blasés, pedantes. Supla é punk de butique, cospe nas câmeras e come sucrilhos. Revolta-se quando ouve Taiguara reivindicar a condição de porta-voz da periferia. Acha demagogia. O garoto corado que gosta de andar de motocicleta nova em Nova York acha que o garoto negro que lava pratos é demagogo. Uau! O filho da prefeita, por sinal, é o responsável pelas referências da cultura pop mais estridentes da Casa dos Artistas. No início do programa, ele andava para cá e para lá lendo e relendo (pelo seu timing intelectual, tem de ler mais de uma vez, na certa) o livro Mate-me por Favor (Kill Me Please, de 1996), de Legs McNeil e Gillian McCain. O livro, que freqüentou toda a primeira parte do show, é outra boa sugestão "distraída" da produção. Legs McNeil é escritor e jornalista e foi ex-editor das revistas Punk (foi ele que cunhou o termo punk), Spin e Nerve. Gillian McCain é poetisa, amiga de Patti Smith. Supla chegou a emprestar o livro depois para Matheus Carrieri, que ficou interessado na história da árvore genealógica da chamada blank generation, história que o livro conta - do surgimento dos Ramones e Velvet Underground à atuação das groupies no mundo do rock, caso de Nancy Spungen. E houve o karaokê da discórdia, que deu confusão quando a dublê de cantora Patrícia Coelho e a fofa Nana Gouveia quiseram disputar um microfone. E teve as meninas cantando "superfantástico amigo, que bom estar contigo...". Dos tempos em que o Jairzinho tinha dentes de leite. E ainda aquele dia em que o Taiguara citou o gibi mais vendido na face do planeta, X-Men, dizendo que era o Fera e que a Núbia era a Maligna. Nada mais camp, nada mais pop. Mas daí teve o dia em que eles propuseram à troupe pintar um painel e ficou claro ali que ninguém sequer ouviu falar de pop art, nem de cubismo, nem de surrealismo. Andaram muito ocupados para isso.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.