Música e política se misturam em Campos do Jordão

38.ª edição do Festival Internacional de Inverno começa com concerto da Osesp

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Por Redação
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Arte e política subiram a serra, flertaram a torto e a direito e marcaram o fim de semana de abertura da 38.ª edição do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão. Teve para todos os gostos: na platéia, no palácio e também no palco, com a estréia de Solo, primeira obra de Jocy de Oliveira, compositora-residente do festival, a ser apresentada em Campos. O concerto de abertura, no sábado, no Auditório Claudio Santoro, com a Osesp regida por John Neschling, seguiu o ritual costumeiro. Noite para convidados ilustres, para ver e ser visto com direito à presença do governador José Serra, do vice-governador Alberto Goldman e de um séquito de autoridades, personalidades e colunáveis; antes do concerto, discursos, agradecimentos, primeiro do maestro Roberto Minczuk, diretor do festival, e, em seguida, do secretário de Cultura, João Sayad. O ritual de sempre, sim, mas com lances novos. Ato um: ironia da tradição que a orquestra estadual seja sempre a responsável por abrir a programação do Festival de Campos, ponto delicado na relação entre Minczuk e Neschling, desde que, há quatro anos, o primeiro, na época assistente do segundo, foi convidado a dirigir o evento. Ato dois: pela primeira vez, Serra acompanhou um concerto da Osesp sob a direção de Neschling, o que acontece pouco mais de dois meses depois de o meio musical ser sacudido pelos boatos de que o governador queria a substituição do maestro, com o nome de Minczuk encabeçando a lista de possíveis sucessores. E, por fim, o ato três: política também se faz de gestos e, na manhã de domingo, Serra deixou claro seu comprometimento com o Festival de Campos e seu diretor, convidando bolsistas e professores para um almoço no Palácio Boa Vista, sua residência oficial de inverno. Epílogo: a tarde começou com os alunos um tanto ressabiados, um pouco sem graça, ao som da voz de Maria Callas, ecoando nos alto-falantes instalados nos jardins; horas mais tarde, o clima já era de festa: lá fora, em vez de Callas, rock, alguns alunos deitados nos gramados; e, lá dentro, jovens pianistas se revezando ao piano perante um atento governador. "Pronto, já pagaram o almoço", brincou Serra. Jocy de Oliveira De volta à música, o grande destaque deste primeiro fim de semana foi a estréia, pouco depois da meia-noite de sábado para domingo, no Espaço Cultural Dr. Além, de Solo, pocket-opera de Jocy de Oliveira. A programação deste ano do festival tem como tema as mulheres; Solo, explica Jocy, pretende "recriar o imaginário feminino e construir, através de símbolos, um espetáculo plástico e sonoro em que o figurino se torna um objeto; o objeto se torna matéria sonora; o instrumento musical é às vezes desmistificado; e a espacialização do som envolve o ouvinte espectador". A obra é composta de nove segmentos. Em sua parte central, estão três dedicados à figura de Medéia, personagem da mitologia grega que, casada com Jasão, é trocada por uma princesa, banida de Corinto e, como vingança, enfeitiça o vestido de noiva da princesa e mata os próprios filhos. Estes trechos saíram de Kseni - A Estrangeira, ópera estreada por Jocy no ano passado. Ali, ela usa Medéia, o símbolo da mulher "transgressora, desterrada, imigrante, denegrida, discriminada", que "preferiu levar em seu carro de fogo a alma de seus filhos mortos a deixá-los como parte de um mundo que lhe havia negado o direito de ser diferente", para falar de intolerância, da destruição da identidade, da "cruzada da paz, que abandona às margens os feridos apátridas, em nome de códigos de comportamento", em clara alusão aos movimentos mais recentes da geopolítica internacional, as guerras no Afeganistão e no Iraque entre eles. Aqui, os trechos de Kseni se coordenam com outros dedicados a personagens que têm em comum, diz Jocy, o destino do amor trágico, Ofélia, Desdêmona e a Diva, figura inspirada nas personagens dramáticas da ópera romântica italiana, destinadas à morte e à impossibilidade do amor. Quando Jocy se propõe a recriar "o imaginário feminino", é lícito perguntar qual seria a mulher recriada em suas obras. A evocação de Kseni sugere uma mulher que faz pensar sobre o papel feminino na sociedade, que questiona o preconceito, pensa em Medéia como o princípio da luta pela quebra de barreiras e tenta entender o feminino dentro do processo histórico, resgatando a idéia da mulher submissa, que se encaixa em padrões preestabelecidos, apenas para poder negá-lo. Musicalmente, os nove segmentos de Solo não seguem nenhuma linearidade. Pelo contrário, é na abolição de qualquer seqüência narrativa que se baseia a obra. É apoiando-se em meios multimídia, na utilização de materiais musicais diversos, melodias elisabetanas e medievais, ou mesmo nos figurinos e cenários que são também instrumentos (ou seria o contrário?) que Jocy convida o ouvinte a adentrar seu universo de criação. É, enfim, a primeira das muitas provocações que Campos do Jordão preparou ao convidá-la para o posto de compositora-residente. O repórter viajou a convite da organização do festival

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