Museu Iberê Camargo começa a ser erguido

Lançada, em Porto Alegre, a pedra fundamental do edifício que abrigará obras do artista gaúcho, projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza

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Por Agencia Estado
Atualização:

Foi lançada nesta segunda-feira, em Porto Alegre, a pedra fundamental do aguardado Museu Iberê Camargo. O novo espaço promove o encontro entre a arte de um dos grandes pintores brasileiros do século 20 com a obra de um dos maiores nomes da arquitetura contemporânea mundial, Álvaro Siza, que realiza seu primeiro projeto no Brasil. Pouco ligado a grandes efeitos cenográficos e mais preocupado em conciliar os vários aspectos relevantes em um projeto arquitetônico - que vão de questões prosaicas (como o melhor aproveitamento do terreno) até fatores mais intangíveis e afetivos, como a inserção do prédio na paisagem física e cultural que o circunda -, Siza falou em entrevista sobre as principais características de seu trabalho e suas ambições como arquiteto. Definir a obra de Siza, que já recebeu as maiores honrarias do mundo da arquitetura - como o Prêmio Pritzker - e assina obras importantes em Portugal, na Espanha, França, Holanda, Bélgica e Alemanha, é tarefa difícil. O próprio arquiteto reconhece que uma das características mais marcantes de sua produção é o fato de ele não ter desejo forte de ruptura, como o que marca a arquitetura vanguardista das gerações que o precederam. "Estou convicto de que sou partidário de grande continuidade. A história e a tradição contam muito para mim como princípio." O que não quer dizer que não absorva com grande entusiasmo as diferentes inovações tecnológicas. Dentro dessa concepção mais abrangente, que insere a arquitetura em um contexto histórico amplo, encontramos outra característica central de seu trabalho: a absorção de especificidades culturais (mesmo que de forma mais sentimental do que objetiva) do local onde a obra será construída. Essa capacidade de absorção tem estreita relação, segundo Siza, com a capacidade lusitana de absorver e digerir as mais diferentes culturas. No caso do museu gaúcho, Siza reconhece um forte barroquismo no projeto. As curvas que dão um interessante movimento à fachada decorrem também de uma necessidade de estabelecer uma espécie de contrapeso ao terreno escarpado. "Quando venho ao Brasil vejo curvas para todo lado, na arquitetura e na natureza também", diz o arquiteto, que, na semana passada, participou de um seminário em Salvador e se dizia extasiado com a beleza da capital baiana. No que se refere à obra do principal hóspede de seu museu, Siza diz ter descoberto com grande prazer a obra de Iberê e recusa-se a vê-la apenas como uma arte angustiada, marcada por expressionismo um tanto quanto angustiante. Também não procurou pensar no museu como a casa de uma só pessoa. "É necessário garantir certa flexibilidade, já que o espaço servirá para outras mostras temporárias. E a própria obra de Iberê não será exibida de maneira fixa", explica. Uma das coisas que mais encantaram Siza no terreno doado pelo governo estadual do Rio Grande do Sul para o Museu Iberê Camargo foi a belíssima vista, que o arquiteto explora de maneira sutil, como quem saboreia um prato sofisticado. "É convicção minha que uma vista daquela não deve ser exposta constantemente", explica ele, contando que, em alguns casos, abriu apenas pequenas janelas, que funcionam como quadros da paisagem. Isso não quer dizer que ele desgoste de museus cuja arquitetura se impõe de maneira mais incisiva, como o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, desenhado por Oscar Niemeyer, ou o Guggenheim, de Frank Lloyd Wright. "O museu hoje é uma obra aberta", diz, julgando ultrapassada a noção de sagrado. Com cinco andares e nove salas de exposição, o prédio será um dos poucos museus do País projetado especificamente para abrigar exposições - a maioria dos nossos acervos está em locais construídos para outras finalidades e posteriormente adaptados - e foi concebido não apenas para abrigar mais de 4 mil obras de Iberê. A idéia é transformar o museu num centro ativo, com ateliês, salas para cursos, centro de pesquisa e biblioteca. Autor de projetos como o museu de Serralves, na cidade do Porto - onde vive - ou a reconstrução do bairro de Chiado, em Lisboa, destruído pelo fogo, Siza deve a projetos desse tipo sua fama internacional. Mas não fica contente com a excessiva ênfase na criação de monumentos como esse, que passam a concorrer - e ofuscar - áreas importantes como a da habitação popular. Um de seus projetos mais queridos é a construção de 1.200 habitações no bairro da Malagueira, em Évora, que mostrou na Bienal de São Paulo de 94. Denunciando o descalabro que é remunerar mal os projetos sociais como esse, Siza lembra que "uma cidade é feita de casas, casinhas e monumentos públicos". "O que apreciamos nas cidades antigas é que há esse equilíbrio entre o que é possível e o que é desejável." Seu maior sonho é que chegue o dia em que arquitetos não sejam mais necessários.

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