Mulheres ganham espaço como chefes de cozinha

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Por Agencia Estado
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Território originalmente dominado por homens, a cozinha dos restaurantes ganha, cada vez mais, um temperinho com pitadas de batom, perfume e muito charme. São as chefes, mulheres que resolveram adotar a culinária como profissão e vem fisgando a clientela pela estômago, no sentido mais puro do termo. Uma das pioneiras foi Carla Pernambuco, a premiada chefe do Carlota e do Carlotinha. "Em 91, fui morar em Nova York e comecei a estudar culinária", lembra Carla. Nos três anos em que ficou lá, ela chegou a ser citada, em 93, no New York Times, quando era responsável pelo brunch de um restaurante no SoHo. De volta ao Brasil, Carla e o marido, Nando, abriram o Carlota. "Gastronomia não era moda, ser chefe não era moda. Tem muita gente que é dona de restaurante e não é chefe", faz questão de frisar. A proposta inédita do restaurante, que era trazer ao País o conceito dos pequenos bistrôs do SoHo e oferecer comida com influências do mundo todo, caiu no gosto dos paulistanos. Dois anos depois, em 97, Carla Pernambuco ganhou o prêmio de chefe do ano do Boa Mesa/Varig, concorrendo com quatro homens. "Acho que as mulheres, em todas as situações, têm de batalhar muito para serem respeitadas. Ainda há quem diga que ser chefe não é coisa de mulher, mas a gente suporta ficar na cozinha o dia inteiro numa boa", diz Carla. O motivo do preconceito, segundo ela, pode estar na entrada em cena de gente querendo dar pinta de chefe. "Não se faz um chefe em seis meses", dispara. "A gente também tinha a ilusão de que a culinária da casa da gente era igual a ter um restaurante", admite Carla, para quem vale a vivência. "Um curso pode dar a técnica, mas há detalhes como o ponto da carne que não há como ensinar." Na esteira da fama da profissão, as escolas de culinária internacionais, como a francesa Le Cordon Bleu, se transformaram em minas de ouro. "Os cursos são caríssimos, coisa de US$ 2.500 por mês. O preço subiu na proporção em que a profissão foi ficando famosa", acredita Carla. Mas há quem possa bancar o luxo e voltar de lá devidamente credenciada para encarar o desafio de comandar uma cozinha. Foi o que ocorreu com Morena Leite, atual chefe responsável pelo almoço do Capim Santo. Filha de Sandra Leite, que criou o Capim Santo em Trancoso, Morena foi criada entre as panelas e a pousada. Com 16 anos foi morar na Inglaterra e, como a mãe estava abrindo o restaurante em São Paulo, Morena voltou e ficou cuidando dos negócios em Trancoso. "Eu me apaixonei pela cozinha", diz a garota, que passou um ano na França fazendo um intensivo na Le Cordon Bleu. Voltou de lá, no fim de 99, com o Gran Diploma, a mais completa formação de um chefe de cozinha. "Eram 12 horas de aula por dia", lembra. Desde março, ela comanda o almoço do Capim Santo em São Paulo. "No começo achava que eles eram loucos de me dar essa tarefa, mas quando vejo que o desafio é muito grande eu me supero. Logo, vieram os elogios." Morena acredita que a gastronomia é meio mágica. "Há ali alguns produtos e de repente você transforma em alimentos, joga muita energia boa e tem ela de volta." Por isso, defende que é preciso respeito na hora de entrar na cozinha e o ambiente tem de ser feliz. "A energia que a gente joga na comida muita gente vai receber", acredita a garota de 19 anos que comanda a tropa ao som de forró, reggae, e ritmos variados. Helena Rizzo, a ex-modelo que virou chefe do Na Mata Café, não vê nenhuma invasão feminina na gastronomia. "A mulher sempre cozinhou e o trabalho no restaurante é em equipe. Confesso que as panelas pesadas eu não carrego." Helena trocou a arquitetura pelas panelas por paixão. "Minha casa sempre teve mesa farta e desde pequena gostava muito de fazer receita." A moça, que fez estágios com a Neka Mena Barreto, Emanuel Bassoleil e Luciano Boseggia, diz que se formou na prática. Ela admite: "Já enfrentei preconceito, um pouco por ser mulher, por ser jovem". Sobre o trabalho como chefe no Na Mata, revela que está sendo um curso, uma escola. "A cada dia aprendo com minha equipe", diz a bela de 21 anos. Para algumas mulheres, a gastronomia é responsável por guinadas pessoais espetaculares. Renata Bräune, de 36 anos, chefe-consultora do Le Chef Rouge, mudou de carreira aos 25. Ficou um ano e meio na França, fez Le Cordon Bleu e Lênote, e colocou toda a sua personalidade, liderança, profissionalismo e determinação a serviço da gastronomia. "Para ser chefe não basta gostar de cozinhar. Para ser respeitada no ramo é preciso ter uma postura do profissional e buscar conhecimento constantemente", ensina. O chefe, segundo Renata, não faz o que ele gosta de comer. "É uma relação técnica, profissional. É um trabalho para quem gosta e tem personalidade para isso." Tânia Biagi, do La Bettola, trocou os computadores pela colher de pau aos 40 anos. Um certo dia resolveu mudar, foi para Águas de São Pedro e ficou dois anos estudando no Hotel-Escola do Senac. Em 99 voltou para São Paulo, fez estágio no Hotel Meliá e acabou virando sócia do La Bettola. "Quando a gente faz uma opção aos 40 anos, ela é mais madura." Tânia diz que há quem estranhe ver uma mulher no comando da cozinha, mas admite que não é preciso enfrentar o forno e fogão o tempo todo, principalmente depois de a equipe estar formada. "Eu fico todos os dias, por algumas horas." "Sou produto do meio", diz Silvia Percussi, de 36 anos, que era desenhista industrial, mas acabou virando chefe da Vinheria da família. "Meus pais montaram o restaurante em 85, e, em 86, meu irmão Lambert assumiu o negócio. Em 88, ele me chamou para trabalhar." Silvia seria responsável pela decoração, pelo marketing e pela cozinha. Depois de ficar um ano na lista de espera, fez o disputado curso com Marta Kardos, de apenas oito vagas. "O engraçado é que eu fiz ciências biológicas no colegial e adorava ver abrir peixe, limpar bicho e achava que deveria ser médica. Hoje abro um coelho numa boa, meu negócio era comida mesmo", diverte-se. Segundo Silvia, ser chefe para as mulheres é fácil, pois elas têm mais desenvoltura para cuidar de vários assuntos ao mesmo tempo. "A cozinha é uma equipe, tem uma pessoa que faz os molhos, outra só na preparação. Ser chefe também é conseguir transmitir o seu conhecimento."

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