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M.Takara coloca ordem no caos

Por Guilherme Werneck
Atualização:

M. TAKARA 3SOBRE TODAS EQUALQUER COISADesmontaPreço: R$ 20Um artista dá sinais de que está se aproximando da maturidade estilística quando, em vez de insistir em adicionar, ele começa a editar, a cortar, a deixar suas ideias mais concisas, elegantes.Em um primeiro momento, as duas coisas que mais chamam a atenção em Sobre Todas e Qualquer Coisa, quinto álbum-solo do baterista e trompetista do Hurtmold Maurício Takara, são a ausência da riqueza intrincada de texturas e ritmos presentes nos trabalhos anteriores e a valorização da canção, ou, mais precisamente, do uso de vocais.Quanto aos vocais, não há dúvida. Mesmo que absolutamente tratados ao ponto de se transformarem em textura - como nos trechos sampleados de Nuntointendento, do rapper Kamal, que aparecem em Antícope -, eles surgem com destaque na maioria das faixas do disco.Já em relação à sonoridade, a simplificação é ilusória. Da percussão pontuada por efeitos da faixa de abertura Todas as Coisas a Pelos Cantos, que fecha o disco em clima de festa dionisíaca, Takara não opta em nenhum momento pela saída mais confortável, simplista.O que ocorre é que em vez de usar a mesma paleta para todas as canções, cada uma aponta uma solução diferente em termos de cores, texturas e ritmos.Para isso a banda, que ao vivo é formada por Takara com Rogério Martins na percussão e Guilherme Valério na guitarra, em disco ganha a adição do produtor Fernando Sanches (baixo) e de Richard Ribeiro (bateria).Peças singulares. Com esses músicos, cada canção aponta para uma solução arquitetônica única, sempre informada pelas construções espaciais que vêm das pistas de dança - da eletrônica e do hip hop -, pela riqueza harmônica que bebe tanto no jazz como no pós-rock e - aí está a maior surpresa - por um canto brasileiro, quase popular na essência, mas oblíquo no discurso, com letras que remetem mais a epifanias que a narrativas. Algumas letras escritas em parceria com os irmãos Lauro e Tiago Mesquita.Liricamente, nada é assertivo, e são vários os exemplos. "Faz sentido não/Faz sentido", oscila a letra sobre um pulso sintetizado em Na Avenida. "Conto para todos para onde eu vou/ Ninguém pergunta de onde venho", marca o vazio ambíguo de Espelho. "Com o que ganhei não tenho nada", derrama paradoxalmente Rei da Cocada, com seu misto de pureza e empáfia.Essas lacunas quase niilistas estão refletidas tanto nas palavras quanto no próprio senso espacial das canções.A instrumental Sai é perfeita amostra de como esse senso é erguido a partir da combinação de elementos musicais bem acabados. Começa com a guitarra no contratempo enquanto a batida é totalmente dubstep, espaçosa. Entra a percussão macumbeira e cria uma nova linha. No meio da música, a bateria explode e dá mais peso ao batuque. Só então aparece a melodia, contida, com poucas notas. Até que um trompete de free jazz alucina essa mistura em apoteose.Soa caótico, mas no fundo é a ordem que reina sobre toda e qualquer coisa.

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