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Movimentos de Tomie

Às vésperas dos 100 anos, artista se diz em busca de uma nova relação com a pintura

Por Camila Molina
Atualização:

Aos 99 anos, Tomie Ohtake sentiu a necessidade de experimentar pinceladas diferentes. Em telas verdes, amarelas e azuis, o ritmo de suas composições mais recentes é intenso e, por vezes, quase frenético. Seria uma resposta à conturbação e rapidez dos dias de hoje? Tomie, sempre de poucas palavras, responde curiosa. "Você sentiu isso?" E ri.

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Esta é sua maneira bem-humorada e delicada de dizer que quando cria pinturas, esculturas e mesmo grandiosos trabalhos de arte pública, quer mesmo é abrir espaço para que o espectador tenha suas próprias emoções. Sua arte é abstrata, de pura relação entre cores e formas - e agora, explorando transparências e camadas coloridas. "Desde o começo, pensei na profundidade. Iluminada, com luz que viesse de trás. O conceito é só esse", diz, sobre suas mais recentes criações.

Em 21 de novembro, Tomie Ohtake completará 100 anos. A badalação em torno de seu centenário lhe causa um pouco de desconforto. "Só eu com centenário", brinca. "Acho que se não tem trabalho, posso morrer. Trabalhar dá força para viver. Não tem nada de idade."

Na casa onde vive há mais de 40 anos, ela trabalha três dias por semana, "com plena energia", como conta. Seu ateliê, projetado pelo filho-arquiteto, Ruy Ohtake, tem uma imensa claraboia no teto e uma parede de vidro que dá para o jardim com piscina. Tomie fica lá - pinta suas telas, colocadas deitadas sobre uma grande mesa, com a ajuda do assistente de anos, Futoshi. Quando quer descansar, há uma pequena cama no local (é nela, que a artista se deita bem de manhãzinha para imaginar, no raiar do dia, algumas obras).

Desde o ano passado, quando começou a usar uma pincelada diferente em suas telas, criadas com tinta acrílica, a artista fez mais de 20 obras. "Trabalhei bastante. Está um pouquinho diferente. Está mudando. A forma dentro, sabe? Com pincelada, com mais movimento", explica, sempre sorridente - e com um pouco de dificuldade de se expressar em português. Nascida em Kyoto, chegou ao Brasil com 22 anos e começou a pintar tardiamente, aos 39. Vive em São Paulo, é naturalizada brasileira desde a década de 1940. É uma das artistas mais reverenciadas no País, e até mesmo em seu Japão natal. Tanto que acabou de inaugurar em Tóquio, em agosto, uma escultura pública, vermelha (leia mais na página 3), que forma o número "8".

Eternidade. "A letra 8", diz, é o símbolo mais novo a surgir em suas composições. Está, por exemplo, em um quadro verde, terminado recentemente, que ela faz questão de mostrar em seu ateliê. Das camadas de tinta, na profundidade e luminosidade pulsante do quadro, vemos o número, cuja presença é leve, delicada. "Gosto muito da letra 8. Ela não tem fim, né?", explica , indicando que escolheu o símbolo da eternidade para suas obras. É, de certa forma, um desdobramento do círculo, o símbolo que se tornou, há décadas, uma referência essencial - como a linha - nas suas criações.

O público terá a oportunidade de ver as novas obras da artista a partir desta semana, com a inauguração, na quarta-feira, da exposição Tomie Ohtake - Correspondências. A mostra abre as comemorações pelo seu centenário e coloca em diálogo trabalhos da pintora e escultora realizados desde a década de 1950 com os de criadores brasileiros das mais diversas gerações. O Instituto Tomie Ohtake ainda programa duas outras exposições em torno da artista - uma para agosto, com estudos, desenhos, projetos de esculturas e colagens; e outra em novembro, a mostra Gesto e Razão Geométrica, com curadoria de Paulo Herkenhoff.

Já a Galeria Nara Roesler vai abrir no dia 23 de fevereiro uma exposição com apenas as pinturas e esculturas que Tomie criou em 2012 e 2013. A pincelada com movimento, da qual ela se orgulha, torna-se a protagonista dos caminhos novos da artista. As telas mostram sua força não apenas pela escala (medem 2 X 2 m; 1,5 X 1,5 m; e 1 X 1 m), mas pelo uso do azul, do amarelo e do verde e pela luminosidade diferente dos quadros, com aquela luz que a pintora afirmou surgir de trás de camadas, e transparências. "Meu pensamento vem daqui", ela diz, despretensiosa, representando com um gesto o movimento que vai de seu interior para a sensibilidade do mundo.

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