Mostra reúne os principais nomes da performance em fotografias

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Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
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Os anos 1960 e 1970 foram decisivos para a mudança dos rumos da arte contemporânea. Entre essas décadas surgiram movimentos radicais que reeditaram com maior êxito experiências estéticas de épocas passadas, em especial as de natureza dadaísta. Consagrando a arte conceitual e o happening, o período viu nascer grupos como o multinacional Fluxus e artistas como o alemão Joseph Beuys (1921-1986) e o francês Yves Klein (1928-1962), que, repetindo os gestos rebeldes dos futuristas russos, os verdadeiros precursores da performance, provocaram uma  revolução em galerias e museus. Alguns dos principais nomes ligados à emergência da performance estão agora reunidos em 30 fotos vintage que a galeria Jacqueline Martins mostra na SP-Arte Foto, uma preview da exposição maior, com 107 imagens, que será inaugurada dia 27, na sede da galeria (R. Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 74)

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Pertencentes a dois colecionadores italianos veteranos, que acompanharam na época algumas dessas performances vanguardistas, as fotos trazem registros de “ações” de artistas como Vito Acconci, Joseph Beuys, Guglielmo Achille Cavellini (1914-1990), Jannis Kounellis, Urs Lüthi, Piero Manzoni (1933-1963), Nam June Paik (1932-2006) e Ben Vautier, entre outros. Em tempo: algumas dessas imagens estão à venda, por preços que variam de R$ 15 mil a R$ 60 mil.

A comercialização dessas fotos no mercado brasileiro são reveladoras da séria crise financeira da Itália, onde algumas das maiores galerias fecharam as portas. Entre todas as galerias dedicadas à arte experimental, a L’Attico é a que tem uma história estritamente ligada à arte performática. Foi lá também que nasceu a arte povera. A galerista Jacqueline Martins, a pedido dos colecionadores, não revela os nomes dos dois colecionadores italianos, mas confirma a suspeita de que o momento crítico do mercado de arte na Itália tem levado à exportação de obras. “Eles são dois amigos e têm mais de 70 anos”, revela, indicando um possível teste de vendas da dupla de colecionadores fora da Europa.

Entre as imagens históricas da mostra estão duas que marcaram a carreira de dois artistas: uma performance de Yves Klein (de 1962) – em que pinta uma tela no chão usando o corpo de modelos como pincéis – e outra com Piero Manzoni autografando seu nome sobre o corpo de duas mulheres nuas (a performance Sculture Viventi, 1961). Tanto Klein como Manzoni tinham verdadeira obsessão pelo tratamento da arte como mercadoria. Klein, principal figura do nouveau réalisme francês, realizou, entre 1959 e 1962, dois atos performáticos em que “vendia” espaços vazios de Paris por ouro a quem mostrasse interesse, jogando ao Sena (no segundo ato) a parte do metal recebido em troca do “certificado” dado ao comprador. Tudo para “resgatar” a ordem natural das coisas.

Manzoni foi além: em 1961, armazenou suas fezes em 90 latinhas com a identificação “Merde d’artiste”. Tanto Klein como Manzoni morreram do coração. O primeiro sofreu um infarto, aos 34 anos, após assistir ao documentário sensacionalista Mondo Cane. Manzoni morreu em seu ateliê, aos 30 anos. Das quatro performances de Yves Klein registradas na mostra, duas estão à venda, inclusive a das modelos que eram arrastadas pelo chão com seus corpos encharcados de tinta azul Yves Klein (reminiscente do lapis lazuli e registrada pelo artista como International Klein Blue).

A mostra da galeria Jacqueline Martins vem na esteira de uma exposição internacional que ficou em cartaz até junho na filial do Museu do Louvre em Roma. Com curadoria de Giuseppe Cassetti e Giorgio Maffei, ela tinha 120 imagens de performances dos anos 1960 e 1970 – muitas delas exibidas aqui – e traçava uma linha cronológica das experiências radicais do passado e sua ressonância no presente, de Vito Acconci a Marina Abramovic, representada na mostra paulista numa foto que registra uma performance com Ulay (Frank Uwe Laysiepen). Realizada na Bienal de Veneza de 1976, a performance Relação no Espaço testava os limites físicos do corpo. Nela, o corpo nu da performer sérvia trombava com o do alemão Ulay, seu parceiro constante entre 1976 e 1989. Não deve ter sido muito dolorido. Ulay costuma se apresentar às pessoas como Água, justificando o novo nome pelo fato de o corpo humano ser 68% formado pelo precioso líquido.

Sendo a reinvenção do eu uma preocupação constante entre os artistas performáticos, um exemplo radical de encarar o corpo como enciclopédia pode ser visto numa foto que registra a performance Scrittura, de 1973, em que o italiano Guglielmo Achille Cavellini reescreve a própria história (ele cunhou o termo autostoricizzazione (auto-historicização). Há na mostra os que se revoltam contra essa história e tentam apagá-la, caso de Ben Vaultier, visto numa efêmera performance que expurga da memória a herança genética, atirando ao mar de Nice uma caixa com o nome do Criador. Vaultier disse, em 2007, que queria ser um cacto espetando o traseiro da arte. Talvez ainda consiga.

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FOTOS VINTAGEShopping JK Iguatemi. Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2.041, 3152-6800. 14 h às 20 h. Até 25/8. A exposição (versão ampliada) será aberta dia 27.Galeria Jacqueline Martins. R. Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 74. Até 30/9

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