Mostra reúne gravuras de Cícero Dias

Galeria Portal homenageia o pintor, que morreu na semana passada, exibindo 27 gravuras editadas entre 1993 e 2002

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Por Agencia Estado
Atualização:

Cícero Dias, morto no último dia 28, aos 95 anos, será homenageado a partir de amanhã na Galeria Portal, com a inauguração de uma pequena exposição reunindo uma série de gravuras recentes realizadas pelo artista brasileiro, radicado em Paris desde 1937 e consagrado como um dos nossos primeiros e mais notórios modernistas. A mostra - que promete ser a primeira de um conjunto de eventos em homenagem ao artista e na verdade é uma espécie de reedição de exposição similar realizada no mesmo local no ano passado - é uma bela oportunidade para aqueles que não conhecem sua obra de se aproximarem de seu universo onírico, muitas vezes associado ao surrealismo, e fortemente marcado pela luz e cor tropical. Mas, infelizmente, apresenta apenas uma seleção de trabalhos gráficos de importância menor em sua trajetória, já que não são pesquisas originais e sim gravuras editadas a partir de pinturas e aquarelas realizadas pelo artista no passado. São 27 gravuras editadas entre 1993 e 2002 por Pedro Paulo Mendes, inspiradas em trabalhos de distintas décadas, mas nos quais se sobressai sempre o lirismo e a afeição com a qual Cícero Dias retratou a paisagem brasileira e seus habitantes - com uma predileção especial pelas mulheres. Além da incontestável aproximação com Marc Chagall, cuja obra só veio a conhecer quando chegou a Paris em 1937, fugindo do clima político opressivo que reinava no País (e, portanto, bem depois de ter realizado o clássico Eu Vi o Mundo... Ele Começava em Recife, uma espécie de marco do modernismo brasileiro que pode ser visto até domingo na mostra Da Antropofagia a Brasília), é possível notar como Dias conseguiu conciliar a forte influência do modernismo europeu com o desejo de retratar sua terra natal, ajudando a construir nossa identidade visual. É possível notar em obras como a que retrata uma mulher nua recostada enquanto seu amante lhe canta uma música ao violão uma clara citação a Matisse, mas sempre preservando a cor amorenada da brasileira, o verde do mar que se vê ao fundo pela janela aberta e, por que não?, o perfume dos cajus arrumados num prato à guisa de natureza-morta. A não ser pelo intervalo em que se dedicou ao abstracionismo - fase considerada menos significativa pela crítica especializada -, Dias sempre se dedicou a recriar o universo mágico, que concilia a alegria infantil e a sensualidade tropical. Como disse o próprio artista em entrevista publicada em 1999, em O Estado de S.Paulo, ao ser indagado como gostaria que as pessoas se lembrassem de sua obra: "Eu ficaria feliz se as pessoas, diante de meus quadros com cenas ou fragmentos de pomares, tivessem a memória do olfato ativada com a vista, para sentir o perfume das frutas que pintei." A distância de sua Pernambuco natal talvez tenham ajudado a estimular o pintor a recriar na tela o que não tinha mais diante dos olhos, já que se radicou na França, onde deixou mulher e filha, desde a década de 30. Aliás, além de sua produção pictórica, Dias também manteve sempre uma postura política engajada, um diálogo permanente com a comunidade artística parisiense e chegou a envolver-se numa fascinante aventura durante a 2.ª Guerra Mundial, já que foi ele quem conseguiu tirar o poema Liberté, de Paul Éluard, dos territórios ocupados, permitindo que o texto fosse jogado pelos aviões ingleses sobre a França, Bélgica e Holanda num dos mais belos atos da Resistência. É de se imaginar que a exposição da Galeria Portal - que será aberta sem vernissages ou outras cerimônias festivas, já que sua proprietária e amiga do pintor, Malvina Gelleni, julga a ocasião imprópria para celebrações - seja sucedida por uma série de eventos em torno do artista, que começou a pintar aos 9 anos de idade, que aos 20 já estava próximo da consagração, na Capital Federal, e que morreu absolutamente lúcido e dormindo, pouco antes de completar 96 anos de vida. E uma bela ocasião para que se realize uma exposição retrospectiva que permita reavaliar em conjunto a importância de sua obra, já que a última mostra do gênero ocorreu em 1997 e apenas no Rio. Memória Viva - A Gravura de Cícero Dias. De segunda a sexta, das 10 horas às 20 horas; sábado, das 10 horas às 13 horas. Portal Galeria de Arte. Rua Estados Unidos, 2.241, São Paulo, tel. 3081-0339. Até 19/4.

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