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Mostra resgata a arte de Marcelo Grassmann

Exposição que começa amanhã, em São Paulo, é uma rara oportunidade para se conhecer a produção de Grassmann, uma lenda da arte brasileira contemporânea

Por Agencia Estado
Atualização:

Um mestre. Um clássico. Uma lenda. Certamente, no quadro da arte brasileira atual, Marcelo Grassmann é tudo isso. Portanto, a rara ocasião de se ver uma exposição dele deve ser aproveitada a partir de amanhã no Nobrega Antiquário e Galeria de Arte (R. Pe. João Manuel, 1.231 - tel. 3068-9388). Santos barrocos, peças renascentistas e raras incursões na arte do século 19 e 20 caracterizam o local que será invadido pelos demônios, bichos e guerreiros dos desenhos de Grassman. O proprietário do lugar, Claudino Nóbrega, explica: "É a primeira exposição que faço de um artista vivo, que está em plena produção. Começou quando me vieram às mãos dois lotes de trabalhos do Grassmann desenhista, dos anos 60 a 80. A idéia era fazer uma exposição de resgate de um nome que, embora importante, estava esquecido". Claudino foi até a casa do pintor, que fica numa chácara na cidade paulista de São Simão, onde ele mora com a mulher, a artista plástica Ana Elisa Dias Batista, para ver alguns trabalhos do mesmo período. E encontrou Marcelo Grassmann, um artista à beira dos 77 anos, em pleno esplendor criativo e acabou tendo à idéia de um contraponto da fase 60/80 com trabalhos recentes. O desenhista preparou, inclusive, seis desenhos para a exposição. Ele acha que nunca teve facilidade para o desenho. "Tive paixão, o que é muito diferente." Se é verdade, cada um dos 25 (ou mais, conforme o esquema da montagem da mostra) trabalhos da exposição traduzem a vitória após uma batalha. E que triunfo. O desenho de Grassmann, isso vale tanto para os das décadas de 60 e 80 como para os de hoje, é meticuloso, claro, preciso. Ele não precisa, como tantos de seus colegas, inventar álibis para eventuais fraquezas e usar a arte como catarse. Esse homem magro, afável e bem-humorado é do tipo de quem põe os demônios para fora. E eles se exibem com olhares sorridentes, maliciosos, malévolos aqui e ali na sua produção. Surrealismo - Amor e morte são temas que estão em quase todas as obras. Mas nem sempre. Há um fauno ao lado de uma ninfa de aspecto de madona renascentista, de seios nus, mas também um guerreiro de elmo medieval ao lado de um cavalo que parece saído de um conto de Lovecraft ou de Blackwood. Aliás, referências que remetem à literatura não são raras nesse universo com seres que poderiam ter saído das páginas de Poe ou Henry James. Da mesma forma, é possível encontrar citações, correspondências ou alusões a Ensor, Bosch e Goya nos seus piores pesadelos. Grassmann também não anda longe do surrealismo e sobretudo nos desenhos de traço mais leve faz lembrar o Picasso desenhista de mitologias e touradas. Mas, apesar de tantas aproximações, o desenho de Marcelo Grassmann é puro Marcelo Grassmann. Já que se falou em literatura, é um fenômeno que tem lá seus pontos de encontro com os textos de Dalton Trevisan. Lá como cá, de livro a livro, de desenho em desenho (Grassmann também é um estupendo gravador, mas aqui estamos tratando do desenhista), a novidade não é o assunto, mas a sutileza de cada abordagem, o detalhe modificado, a maneira de tratar diversa. Em seus desenhos recentes ele usa fundos escuros feitos com essência de nogueira, betume. E também uma pigmentação avermelhada de óxido de ferro. Isso serve de modo exemplar ao desejo de mergulhar quem vê esses desenhos num mundo paralelo habitado por aliens que nem a vã filosofia dos homens de preto imaginaria. Claro e escuro servem de elementos que realçam a emoção, desenhos reticulados contrastam com superfícies planas, o carvão joga com o bico de pena ou o lápis, há espaços de guache que criam trechos de sonho circundando formas trabalhadas com detalhes. Competência técnica - Um dos trabalhos mostra um dos guerreiros, com olhar cristalino ao lado de gato proveniente de algum círculo infernal. Outro coloca, numa superfície de profunda escuridão, dois rostos, o de um guerreiro e o de um gato, este de aparência menos demoníaca, que saltam daquele leito de trevas. Emissários de um deus desconhecido, como os teria reconhecido Fernando Pessoa, surgem nas suas armaduras ao lado de cavalos e insetóides encouraçados igualmente. Enfrentam os inimigos ou os contemplam fascinados. O artista usa e abusa da sua competência técnica. Longe vão os tempos em que ele dizia "Como não freqüentei escolas de belas-artes, estou brincando agora com certos recursos que nelas se aprendem. O que não tem nada que ver com academismo". Ele passou dessa fase de brincadeiras. Tudo nesses desenhos é rigoroso e resultado de uma vontade criativa que já se tentou ligar às origens alemãs do artista. Pois ele nasceu em 1925, filho de imigrantes alemães. Teve origens de classe média, mas depois não lhe faltaram difuldades financeiras que o levaram da pintura de carroças a ser desenhista de jornais. Numa escola profissionalizante aprendeu desenho, entalhe em madeira e modelagem. Influenciado por gravuras de Goeldi vistas num jornal, fez xilogravuras sem nenhum aprendizado específico. A revelação desse talento no começo da década de 50, levou-o a prêmios nas bienais de São Paulo, Paris e Veneza. Sim, Grassman pode ser chamado tranqüilamente de mestre, clássico e lenda. Confiram.

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