Mostra no Rio reúne rascunhos de Lucio Costa

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Por Agencia Estado
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Durante seus 96 anos de vida, o arquiteto e urbanista Lucio Costa não jogou papéis fora, nem mesmo rascunho de desenhos ou anotações esparsas, mas não se preocupou em organizá-los. Só agora, seus descendentes começam a fazer a triagem desse material e o resultado é a exposição Lucio Costa 1902/2002, que o Paço Imperial inaugura no dia 7. "Não será nem 10% do acervo dele, mas já dá para ter uma idéia de seu pensamento, sua forma de trabalhar", diz Maria Elisa Costa, filha de Lucio e curadora da mostra. "Exibiremos o material como ele deixou, sem restauros, porque o objetivo é dar ao visitante a impressão de que teve contato com ele." Não é uma tarefa fácil, já que Costa levou sua atividade para muito além da arquitetura moderna, da qual é pioneiro (ao lado de Oscar Niemeyer, parceiro em obras, como a construção de Brasília e o Palácio Gustavo Capanema). "Lucio ligava seu ofício à questão social. Assim como Oswald e Mario de Andrade, buscou tornar o Brasil cosmopolita, sem perder características nacionais. Isso se refletia nas construções e na forma como pensava as cidades, juntava o novo e o tradicional", explica o diretor do Paço Imperial, Lauro Cavalcanti, também arquiteto e estudioso do modernismo brasileiro. "Com Niemeyer, formou uma dupla tão importante como Tom e Vinícius ou os já citados Mario e Oswald." Este cosmopolitismo foi conseqüência de sua biografia. Costa era filho de um engenheiro naval que, devido à profissão, levou a família a morar entre o Rio e a Europa por mais de 15 anos. Jovem, entrou para a Escola de Belas Artes, onde logo optou pela arquitetura, carreira em que fez sucesso ainda recém-formado. A situação só mudou quando voltou-se para a brasilidade, cansado de copiar os modelos estrangeiros. Encontrou reação, mas levou suas idéias para a faculdade que havia cursado, da qual foi diretor. Nos anos 30, já com Niemeyer revolucionou conceitos, ao projetar o pavilhão brasileiro na exposição de Nova York e a sede do Ministério da Educação e Saúde, hoje Palácio Gustavo Capanema. Limites - A partir daí, pôde realizar suas idéias, sem nunca perder o senso prático. "Ele era um poeta pragmático, sabia os limites que lhe impunham e, daí em diante, tentava vôos mais altos. E viveu numa época privilegiada, em que a intelectualidade brasileira trabalhava para o governo e tentava realizar o que acreditava ser melhor para o País", conta Maria Elisa, conhecedora da obra do pai, por ser também arquiteta e por ter trabalhado com ele na autobiografia, "Registro de uma Vivência". "Procuramos mostrar cronologicamente como ele pensava. Há esboços de projetos, anotações de idéias, rascunhos de textos que ele escreveu ou pretendia escrever." Neste caso, estão os blocos de anotações feitas em sua viagem a Portugal, em 1952, para estudar a arquitetura colonial popular. "Durante 30 anos, pensou que os havia perdido e, só recentemente, quando minha irmã fez obras no apartamento em que ele morava, encontrou os blocos em cima de um armário", comenta Maria Elisa. "Esses e outros documentos ajudam a elucidar o pensamento de Lucio Costa. Há muitos originais de projetos, pois o produto final nunca ficava com ele. Lucio não se preocupava em guardá-los." A mostra do Paço, que vai para o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília, depois do Rio, pretende lançar também o projeto da Casa de Lucio Costa, uma sociedade civil sem fins lucrativos, criada há dois anos para preservar e divulgar sua obra. "Somos sempre consultados por universidades brasileiras e estrangeiras e precisamos deixar esse acervo à disposição do público", diz Maria Elisa. "Uma obra importante como essa não pode ficar escondida e, com a Casa de Lucio Costa, poderemos organizá-la atender melhor aos pedidos de informações." A exposição no Paço será dividida em 12 módulos. Os dois primeiros tratam de sua formação como arquiteto e urbanista (inclusive como artista plástico, pois fez aquarelas e desenhos hoje valorizados no mercado de arte), enquanto o último fala de sua vida pessoal, seu contato com a família e amigos e/ou parceiros de trabalho. No miolo, está sua obra. Um módulo é dedicado à Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), hoje Iphan, do qual ele foi um dos primeiro funcionários e co-idealizador de diretrizes válidas até hoje. Brasília e seus projetos urbanísticos para o Rio (inclusive o plano-piloto da Barra da Tijuca, na zona oeste e o centro da cidade, onde os monumentos históricos, como os Arcos da Lapa, ganham destaque) merecem dois módulos específicos. Apesar de o público leigo ligar a capital federal mais a Niemeyer que a Costa, a cidade é obra de ambos. "Brasília é uma síntese feliz. O Darcy Ribeiro costumava dizer que Deus teve um raro momento de felicidade, quando juntou no tempo e no espaço Neymeyer, Lucio Costa e Juscelino Kubitschek", lembra Maria Elisa. "Meu pai deu início ao projeto de Brasília e reconheceu que só um artista como Niemeyer poderia preencher os espaços por ele projetados. Os dois são autores da obra. Mal comparando, se fosse um filme, Lucio Costa seria o diretor e Niemeyer, o ator principal. Por isso, mais lembrado."

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