PUBLICIDADE

Mostra discute produção artística além do centro de SP

Por AE
Atualização:

Um mapeamento da arte produzida no gueto, em 2012, que considere grafite, literatura, samba e hip-hop, não escapa de uma análise sobre quão periférica é a natureza dessa produção. Um exemplo: até que ponto seriam as rimas de expoentes do hip-hop nacional, como Criolo e Emicida, indissociáveis da experiência periférica, compreendidas de forma visceral apenas pelos que vivem nas vilas mais afastadas do centro de São Paulo, sonhadas, apenas, de maneira virtual, por adolescentes privilegiados que buscam a contundência do mundo cão para se afirmarem, como tantos fizeram, na última década, com letras dos Racionais MCs? Ou estaria o amor em falta mesmo em toda São Paulo? Ilustrar esse panorama e mediar discussões relacionadas é o intuito da segunda mostra "Estéticas da Periferia", que acontece de terça a quinta-feira, dia 30, nos Sescs e Centros Culturais espalhados pela cidade, e inclui mostras de arte, dança, poesia e filme, além de seminários (programação completa no site www.esteticasdaperiferia.org.br). Criolo e Emicida fazem sucesso longe dos bairros de onde saíram, assim como os compositores Kiko Dinucci e Rodrigo Campos, que abrem o evento nesta terça, com Criolo, no Centro Cultural Ruth Cardoso, em show dedicado ao samba."Meu desejo é de misturar, me envolver em contextos além daquele de onde vim, de trabalhar sonoridades que não teriam apelo apenas na periferia", explica Rodrigo, cujo título do disco de estreia, "São Mateus não É Um Lugar Assim Tão Longe", referência ao bairro da zona leste, de onde vem, já diz muito sobre suas aspirações. "Lá tem muito rap, samba e pagode, mas meu intuito é criar uma estética nova, que se misture com outras coisas, o que nem sempre é palatável na periferia."Seu discurso anda na mesma direção que o mote do evento, a frase "No universo da cultura, o centro está por toda parte", do filósofo e jurista Miguel Reale, e soma à discussão. Se os sambas de um compositor de São Mateus, reduto do gênero, têm mais ressonância em Santa Cecília, a geografia é cada vez menos relevante ao se pensar em cenas musicais. "A ideia da mostra, e das discussões por ela propostas, é que o centro é uma coisa que pode ser deslocada. Queremos diluir fronteiras sem diminuir as dificuldades pelos quais passam os moradores de bairros pobres", conta Eleílson Leite, coordenador do Espaço de Cultura e Mobilização Social da Ação Educativa, que faz a curadoria do Estéticas da Periferia.Ao mesmo tempo, se um compositor de São Mateus é reverenciado apenas no centro, há uma discrepância entre públicos, que reforça a ideia de uma periferia em termos de gostos. "Aquilo que a gente costuma consagrar como a arte da periferia acaba constituindo uma certa vanguarda. O que mais se consome na periferia é pancadão e eletro forró. A audiência da radio comunitária de Heliópolis, onde tenho um programa, é toda voltada para isso. Sempre brinco, no ar, que devemos colocar Luiz Gonzaga em vez de eletro forró", conta.Isso dá margem para diversas discussões de cunho social. Teria a educação algum impacto no volume de arte inovadora que se produz na periferia? "Para não responder a essa pergunta sem exemplos concretos, pegamos o exemplo de Criolo e Emicida. São dois artistas que chegaram ao nível superior. O Emicida fez faculdade, o Criolo não completou. Acho que educação, obviamente, só ajuda, tanto na periferia quanto no centro, principalmente porque sabemos que, com nível maior de escolaridade, artistas conseguem discernir melhor entre as inscrições em editais. Há uma relação entre beneficiários do programa VAI e educação", conta. O evento busca incluir no cardápio discussões sobre o pancadão e pagode, gêneros em geral marginalizados pela crítica que apoia Criolo, Emicida e Rodrigo Campos. Existiria certa arrogância, tanto por parte da curadoria, como por parte da crítica e da mídia mainstream, que impede o centro de enxergar pancadão e eletro forró como movimentos artísticos relevantes? "Ao falar de estética, não podemos deixar nada de lado. Então o pancadão faz parte. Define muito do comportamento, não só da juventude, mas de toda a comunidade. O pancadão ganhou o espaço do rap. Não tem como deixar um movimento assim de fora. O evento se insere pouco no pancadão, mas buscamos alguém que pudesse falar sobre funk, assim como o pagode romântico", completa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.