Nos últimos anos, houve incontáveis relatos de que a GCM leva também roupas, cobertores, documentos e até remédios. Um sem-teto com quem conversei disse que é normal ser agredido pelos guardas e que uma vez lhe roubaram o sapato, deixando-o descalço. Outros perdem seu único meio de subsistência: a carroça para recolher recicláveis. Quando vão tentar recuperá-la em algum depósito da prefeitura, recebem a notícia de que o material foi destruído.
Não é por gosto que ficam ao relento, em barracas improvisadas ou debaixo de viadutos. Por viverem de serviços precários, é impossível alugarem algo.
De acordo com o censo da prefeitura, existem 15.905 pessoas nessa situação e 9 mil vagas para pernoite. Na periferia da zona norte, por exemplo, só existe o Centro de Acolhida, no Parque Edu Chaves, com 100 vagas regulares e 40 extras em dias frios; na noite em que telefonei, todas já haviam sido preenchidas. Nos últimos anos, cinco espaços de convivência (tendas) foram fechados.
Além da escassez de albergues em diferentes pontos da cidade, é consenso entre o povo de rua que os espaços estão em condições precárias. Em dezembro de 2013, quatro sem-teto foram presos por protestar contra a falta de higiene e água e por maus-tratos. Muitos reclamam de roubo.
De início, o prefeito Haddad só se manifestou sobre as mortes para dizer que, ao recolher os colchões, estaria tentando impedir a “refavelização” das praças. Depois se desculpou e disse que até o fim do mês abrirá quatro tendas emergenciais.
Como disse o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, “o critério do bem é quem sofre, e não eu”. Na rua moram deficientes mentais, travestis, indígenas, imigrantes, ex-presidiários e dependentes de drogas, vistos como lixo a ser varrido. Em entrevista para a TV Folha, o padre declarou que “a população de rua é uma síntese do que a cidade não quer. Aqueles que ninguém quer são os nossos”.
Um dos projetos religiosos é a Missão Belém, hoje com 152 abrigos no Brasil. Só no Centro de Triagem Guadalupe (Rua Doutor Clementino, 608, Belém) são servidas 800 refeições por dia. A conta de água chega a 12 mil por mês. A Missão é mantida apenas por doações.
Enquanto a prefeitura zela pelo senso estético das praças, outros acolhem o problema. Quem administra a Guadalupe é um ex-dependente de crack que chama os outros moradores em situação de rua de “irmãos”.