Morre o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé

Ex-assistente de Oscar Niemeyer tinha 82 anos e lutava contra um câncer

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Por Jotabê Medeiros
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Morreu às 12h10 desta quarta-feira em Salvador, aos 82 anos, o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé. Ex-assistente de Oscar Niemeyer, Lelé sofria de câncer na próstata (um tipo raro, com metástase para o fígado) e estava internado havia 3 meses no Hospital Sarah Kubitscheck, um dos muitos edifícios que idealizara. A doença já fustigava Lelé havia 2 anos e meio, e ele estava fazendo quimioterapia e tratamentos com o oncologista carioca Daniel Herchenhorn, mas estava em estágio terminal e não tinha mais esperança.

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O corpo do arquiteto está sendo velado até as 18h30 de hoje no Centro Administrativo de Salvador (outro projeto de Lelé) e será embalsamado e enviado para Brasília às 7h30 desta quinta-feira. Será sepultado na Ala dos Pioneiros da Construção de Brasília, no cemitério local, na próxima sexta-feira.

Entre as últimas obras do arquiteto estãoi a Passarela do Centro Histórico de Salvador e o Memorial Darcy Ribeiro.

A filha do arquiteto, Adriana Rabello Filgueiras Lima, também arquiteta e que dirigia o Instituto Habitat, criado pelo pai, disse ao Estado que Lelé foi "um gênio" tão grande quanto Oscar Niemeyer. "Tenho uma admiração enorme pelo trabalho do meu pai", afirmou ela, que deixou a coordenação das obras da Rede Sarah de hospitais para tocar adiante o legado dele.

Adriana ressalva que Lelé também foi um tanto incompreendido - reclama que certos gestores são incapazes de compreenderem certas decisões técnicas do mestre. Em Salvador, por exemplo, executores da obra do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) querem eliminar todo o sistema de ventilação natural projetado por Lelé.

O apelido do arquiteto, Lelé, veio de um meia direita do Vasco lá pelos idos de 1947, 1948. Na época, João Filgueiras era um garoto magricela do juvenil do Vasco que jogava na mesma posição e acabou herdando o apelido do titular. Foi assim que João Filgueiras Lima, um dos maiores mestres da arquitetura brasileira, virou simplesmente Lelé, profissional que se empenhou, ao longo de sua vida inteira a demonstrar que, na arquitetura, materiais pré-fabricados e artefatos industriais podem servir à plasticidade e à criatividade humanas.

Sua reputação ficou reconhecida no mundo todo. Foi escolhido o melhor arquiteto da América Latina na 9ª Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, teve sala especial na Bienal de São Paulo, além de ter representado o Brasil na 7.ª Bienal de Arquitetura de Veneza.

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Lelé, carioca do Encantadomas cidadão baiano de coração), em entrevista ao Estado, relembrou sua carreira desde o início, desde quando lhe deram o nome do jogador de futebol com o qual o comparavam ("Ele jogava bem, eu jogava mal. Eu era um perna-de-pau"). Ele contava que, jovem estudante, se ofereceu a Oscar Niemeyer como voluntário para a construção de Brasília. Não foi difícil, ele conta. "Carioca tinha horror à idéia de ir para Brasília. Tinha de pegar voluntário a laço."

Jovem arquiteto que enxergou ali a oportunidade, ele foi o primeiro a chegar à nova capital federal. Nem alojamento para os trabalhadores existia. Lelé fazia uma função parecida com a de engenheiro de obra e foi o encarregado de construir as instalações para os operários. Chegava a entrar em buracos de 30 metros de profundidade.

"Lembro-me, com saudades, daqueles tempos em que na Nova Capital juntos vivemos, do trabalho a nos ocupar dia e noite, e nós a resistir à solidão implacável, rindo, abraçados como se a vida fosse apenas um passeio", escreveu Oscar Niemeyer, referindo-se àquela turminha.

Lelé conta que tocava acordeão em boates e levava uma vida de boêmio quando um amigo o convenceu - por conta de umas boas caricaturas que fazia - a prestar vestibular para a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Não tinha a menor convicção de se tornar arquiteto. "Acho que essa coisa de arquiteto foi uma casualidade em minha vida, um acidente, como outros acidentes."

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Depois das obras de Brasília, tornou-se auxiliar de Darcy Ribeiro, então reitor da Universidade de Brasília, e passou a coordenar os cursos de graduação da UnB. Com o recrudescimento do regime militar no governo Médici, foi afastado da universidade.

Nos últimos anos, Lelé passou a atuar quase que exclusivamente como coordenador técnico da parte física da Rede Sarah de hospitais, especializados na reabilitação de pessoas com problemas físico-motores. Todo seu esforço criativo era empenhado no desenvolvimento de sistemas construtivos que tornassem a rede hospitalar mais funcional, eficiente, econômica e segura no tratamento de moléstias. São hospitais considerados revolucionários.

Mas, de vez em quando, Lelé também se voltava para a questão básica da moradia humana, e projetava residências. Belíssimas, por sinal. "São coisas que faço para amigos, geralmente", dizia, modesto. "Faço prédio também, produzo para prefeituras, coisas como passarelas. Fiz oito prédios para o Tribunal de Contas da União, mas em um convênio. A Rede Sarah trabalha com convênios. Só não consigo fazer isso de forma sistemática, porque tenho muito trabalho nos hospitais."

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Ele é um dos notáveis de uma geração que se vai. Segundo Lelé, a arquitetura faraônica cheia de pastiches como a de Dubai deveria ser evitada. "Evidentemente eles fazem aquilo porque eles têm muito dinheiro para gastar. Eu diria que esses edifícios são proezas arquitetônicas. Há proezas bonitas e feias. É preciso separar o joio do trigo. O Guggenheim de Bilbao é uma proeza feita pelo Frank Gehry, que tem uma obra arquitetônica que vai ficar".

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