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Morre o anfitrião dos "sabadoyles"

Plínio Doyle morreu aos 94 anos, deixando uma marca no mundo literário carioca, os sabadoyles, que reunia escritores e intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos e Pedro Nava

Por Agencia Estado
Atualização:

O advogado e bibliófilo Plínio Doyle morreu às 22 horas de domingo, aos 94 anos, depois de ser internado no fim da tarde no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, com problemas respiratórios. Doyle foi, durante 34 anos, o anfitrião dos "sabadoyles", em que se reuniam escritores e intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos e Pedro Nava. A biblioteca do advogado era freqüentada por escritores e intelectuais que admiravam sua capacidade de buscar obras raras e tratá-las com cuidado e admiração. Ele Será sepultado às 17h desta segunda-feria, no Cemitério de São João Batista, em Botafogo, zona sul do Rio. Há cinco anos, o advogado mudou-se da Rua Barão de Jaguaripe, em Ipanema, para a Avenida Epitácio Pessoa, na Lagoa. Os sabadoyles ocorreram até 1998. Até 1993, Plínio Doyle freqüentava regularmente a Fundação Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, onde fundou, há 25 anos, o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira (AMLB). O instituto guarda documentos de autores como Rubem Braga, Antônio Callado, Manuel Bandeira, Lúcio Cardoso, José Olympio, Hélio Pellegrino e Drummond, entre muitos outros nomes. Foi lá que, no ano passado, Plínio Doyle estreou como escritor, lançando a autobiografia Uma Vida (Casa da Palavra). "Guardo tudo que é literatura brasileira; não tem o que é bom, o que é ruim. Comecei com Machado, fui procurando tudo sobre ele. Até hoje não encontrei um livro que me diga se ele estudou ou não", afirmou Doyle, em entrevista a O Estado de S. Paulo, em 1997. Diretora da AMLB, a pesquisadora Eliane Vasconcelos conta que Doyle manteve a lucidez até o fim da vida. "Falei com ele no domingo anterior e estava perfeitamente lúcido; embora ele não viesse fisicamente à Casa de Rui, colaborava muito no trabalho de processar arquivos e textos originais", diz Eliane. Drummond - O sabadoyle surgiu das visitas que o poeta Carlos Drummond de Andrade fazia a Plínio, para consultar sua biblioteca. "Ele consultava tanto que acabou fazendo os índices das minhas velhas revistas, sempre acrescentando alguma coisa e assinando embaixo", contou o próprio Doyle. Os amigos de Dummond (Nava, Afonso Arinos de Melo Franco, Aurélio Buarque de Holanda) sabiam onde encontrá-lo e começaram também a freqüentar a biblioteca. Em 1964, o encontro ganhou o formato que se manteve até o dia 26 de dezembro de 1998. O sabadoyle tinha uma regra inviolável: não se falava de política nem de religião. "O sabadoyle nunca teve estatuto ou regimento. Tinha a minha pessoa. Eu resolvia tudo. Só se conversava sobre literatura, cinema e música", dizia Doyle. A coleção de Doyle chegou a 25 mil volumes, a maior do mundo dedicada à literatura brasileira. Ele e o bibliófilo paulista José Mindlin, seu amigo, costumavam trocar provocações. Mindlin é que conta: "Doyle me ligava e perguntava: Você tem tal livro? Quando eu não tinha, ele respondia, brincando: Ah, ganhei meu dia! Ele sempre me batia nas livrarias do Rio." Mindlin, quando podia, também ligava para Doyle quando conseguia um exemplar raro, na tentativa de estragar o dia do amigo. Sobre o sabadoyle, Mindlin afirma que não era, propriamente, uma antiacademia, como muitas vezes foi chamada. "Era um encontro informal, no qual se falava bem dos livros e mal das pessoas." Mindlin, ao saber da morte do companheiro e rival, disse que ele prestou um dos mais importantes serviços para a preservação da memória literária nacional. Para o livreiro Pedro Corrêa do Lago, também colecionador, o sabadoyle era uma academia paralela - que, às vezes, brilhava mais que a Academia Brasileira de Letras. Corrêa do Lago foi a apenas um desses encontros, quando tinha 18 anos. "Fiquei particularmente impressionado com a coleção de Machado de Assis de Plínio, que era inigualável; ele foi o grande bibliófilo clássico da literatura brasileira." "Plínio Doyle estendeu seu amor aos livros aos autores desses livros e mesmo aos leitores", escreveu Drummond em 1984. Em 1966, Guimarães Rosa dedicou ao bibliófilo o livro Sagarana. Rosa referiu-se a Doyle como "digno de todos os livros do mundo, deles zelador, por anos, curador desses voluminhos". Plínio Doyle era viúvo e tinha uma filha, Sônia Doyle. O sepultamento de seu corpo foi marcado para o fim da tarde desta segunda-feira, no Cemitério de São João Batista, em Botafogo.

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