Atriz Tônia Carrero morre aos 95 anos no Rio de Janeiro

Grande nome do teatro e da televisão, Tônia sofreu uma parada cardíaca durante uma cirurgia

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Por Redação
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A atriz Tônia Carrero morreu aos 95 anos no final da noite deste sábado, 3, na clínica São Vicente, na Gávea, no Rio de Janeiro. Ela havia sido internada para se submeter a uma cirurgia  simples, mas houve complicações e a atriz sofreu uma parada cardíaca.

A pedido da família, a clínica não divulgou mais informações. Luísa Thiré, neta da atriz, em entrevista à GloboNews, disse que o desejo da avó era de ser cremada. A cerimônia deve ser realizada na segunda-feira, 5, aguardando a chegada de familiares que vivem no exterior. Tônia já estava com a saúde debilitada, sofria de hiodrocefalia oculta, o que a fez viver reclusa desde 2013. 

Foto de arquivo de 10/10/2006 da atriz Tônia Carrerono set de filmagens do longa "Chega de Saudade", dirigido por Lais Bodansky e rodado no tradicional salão de baile União Fraterna, no bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Maria Antonieta, Mariinha, Tônia Carrero

Tônia nasceu dia 23 de agosto de 1922 no Rio de Janeiro, foi batizada Maria Antonieta Portocarrero Thedim e logo apelidada de Mariinha por seus pais, irmãos e amigos. Lutou para tornar-se Tônia Carrero. “Até bem pouco tempo era feio ser atriz. Era pobre, triste ter na família uma mulher se exibindo no palco, na tela de cinema ou de TV”, contou em seu livro de memória O Monstro dos Olhos Azuis (LPM). Seu pai era militar e alcançou a patente de general. Seus irmãos seguiram a mesma carreira. Só ela, contrariando toda a família, inclusive a mãe, optou pela arte.

Ainda bem jovem, aos 14 anos, conheceu o artista plástico Carlos Arthur Thiré com quem se casaria três anos depois e teria seu único filho, o ator Cecil Thiré. Ao completar 80 anos Tônia contou parte de sua vida no palco, no solo Amigas para Sempre, dirigido pelo gaúcho Luiz Arthur Nunes, autor do roteiro criado a partir de entrevistas .

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No palco, revelou então nunca ter abandonado a ‘persona’ Mariinha – como continuou sendo chamada pelos íntimos – e relembrou com leveza e bom humor a festa que se tornara sua vida, já casada, na Ipanema da década de 40. Nessa época passou a conviver com intelectuais e artistas sobretudo na casa do escritor Aníbal Machado, pai da autora de Pluft, o Fantasminha, Maria Clara Machado. “Hoje não existe mais uma casa assim, ponto de encontro até para estrangeiros de passagem pelo Brasil”, relembrava em cena. Ali conhecera os poetas Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes, o maestro Tom Jobim, o músico Ronaldo Bôscoli e o cronista Rubem Braga. Muitos caíram de amores por aquela mulher de rara beleza, bronzeada pelo frescobol na praia.

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No mesmo solo narrou, para delícia do público, a paixão do escritor de Rubem Braga por ela, ‘resolvida’ num namoro meteórico. E contou ainda que mesmo Drummond, o mineiro reservadíssimo, não resistiu ao galenteio ao conhecê-la na ‘casa do Aníbal’. Mas nem tudo era festa. Tônia tinha ambições. Formada em Educação Física, queria ser atriz, mas ninguém levava tal projeto a sério. Em uma época de raras escolas de teatro, deixou o filho pequeno com a babá e partiu para a França, onde fez um curso livre de iniciação teatral com Jean Louis Barrault.

De volta ao Brasil, fez testes, tentou atuar, mas ninguém lhe deu um papel. Só no cinema conseguiu atuar, no filme Querida Suzana, com direção de Alberto Pieralisi. Em 1949 volta a filmar, sob direção de Fernando de Barros, em Caminhos do Sul. Com ele, funda sua própria companhia teatral em 1949 e tenta convencer o ator amador e advogado Paulo Autran a entrar para o grupo. Mas ele não pretendia se profissionalizar, ganhava muito bem como advogado, estava satisfeito, o teatro era secundário em sua vida. Numa última cartada, ela pediu-lhe que estipulasse seu salário. Para se ver livre do assédio, Autran pediu um valor absurdamente alto, e ela pagou. Mais tarde, já consagrado, ele repetiria muitas vezes essa história, ao recordar sua longa carreira.

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Assim, ambos, Tônia e Autran, que se tornariam ‘amigos para sempre’ estrearam juntos, profissionalmente, na peça Um Deus Dormiu Lá em Casa, de Guilherme Figueiredo, sob direção de Silveira Sampaio. Ambos receberam prêmios de revelação e a trupe ganhou fôlego. No ano seguinte, Ziembinski foi convidado para dirigir o espetáculo Amanhã se Não Chover, de Henrique Pongetti. E no outro ainda, o trio – Tônia, Barros e Autran – se transfere para São Paulo para atuar na Cia. Cinematográfica Vera Cruz e no Teatro Brasileiro de Comédia, ambos empreendimentos do italiano Franco Zampari.

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Na Vera Cruz atuou em filmes importantes na época como Tico Tico no Fubá, sob direção de Adolfo Celi e Apassionata, de Fernando de Barros, ambos de 1952. O cinema não foi sua principal forma de arte, mas ainda assim até 1977 já tinha participado de 13 filmes. No TBC atuou sob a direção de Adolfo Celi – Uma Certa Cabana e Uma Mulher de Outro Mundo, e novamente sob a batuta de Ziembinski, em Candida, peça de Bernard Shaw, no papel título. Casou-se com Celi e um novo trio se forma para a fundação da Cia. Tônia-Celi-Autran. O repertório eclético, iniciado com o clássico Otelo, passando por Entre Quatro Paredes de Sartre e Seis Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello, permitem a atriz um aprimoramento reconhecido pela crítica.

Tal amadurecimento não passou despercebido pela crítica da época. “Ela foi afiando pacientemente o seu instrumental interpretativo, revelando progressivamente uma sensibilidade, uma intuição e uma gama de recursos que lhe permitem abordar papéis frontalmente opostos à sua imagem padronizada”, escreveu o crítico Yan Michalski. Desfeita a companhia, cria sua própria empresa e segue atuando. Em 1968 surpreende ao despojar-se de sua beleza e elegância para encarnar a prostituta Neusa Suely numa montagem de Navalha na Carne, de Plínio Marcos, dirigida por Fauzi Arap, a quem ela reputava como um de seus mestres na fase da maturidade. Atuação que lhe vale os principais prêmios do ano, entre eles o prestigiado, e cobiçado, Molière.

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Além dos já citados, ao longo da carreira de seus 60 anos de carreira, levou ao palco autores como Tennessee Williams (Doce Pássaro da Juventude), George Feydeau (A Dama do Maxim’s), Shakespeare (Macbeth), Ibsen (Casa de Bonecas), Marguerite Duras (A Amante Inglesa) e Dürrenmatt (A Visita da Velha Senhora). E atuou sob a direção de Flávio Rangel, Gianni Ratto, Domingos de Oliveira e Antunes Filho.

Em meados da década de 80 inicia uma fase de experiências mais ousadas com ao interpretar Quartett sob direção de Gerald Thomas, trabalho que lhe vale o segundo Prêmio Molière. Três anos depois, arrisca-se numa nova linguagem, em atuação coreografada, sob direção de Marcio Aurelio no espetáculo Esta Valsa É Minha, de William Luce. Outros jovens diretores entrariam em sua vida a partir daí. Em 1999, Eduardo Wotzik, na encenação de Um Equilíbrio Tão Delicado, de Edward Albee e, no ano seguinte, Élcio Nogueira, em O Jardim das Cerejeiras, de Chekhov, montagem na qual contracena com Renato Borghi.

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Em 2005 volta a ser dirigida por Fauzi Arap, também autor, na peça Chega de História!. na qual, curiosamente, retoma não só a parceria bem-sucedida em Navalha na Carne, mas também uma atitude. Como fizera para viver Neusa Suely, mais uma vez se despoja de sua natural vaidade para encarnar a professoria Dona Filó, vestida de forma muito simples. “Ela não tem nada a ver comigo e isso foi o que me motivou”, disse em entrevista ao Estado.

A carreira no cinema foi menos intensa, mas só em 1988 participaria de três filmes: A Bela Palomera, de Ruy Guerra; Fogo e Paixão, de Isay Weinfeld e Marcio Kogan e Sonhos de Menina Moça, de Tereza Trautman. O papel de Dona Alice, em Chega de Saudade, de Laís Bodansky foi o mais recente nas telas do cinema. Já na telinha participou de 15 novelas, desde sucessos como Pigmaleão 70, Uma Rosa com Amor, Água Viva, Sassaricando e Senhora do Destino. Título, aliás, que bem poderia defini-la.

Depois de 60 anos de trajetória em palcos e telas, do cinema e da TV, Tônia Carrero tinha motivos para se orgulhar da atitude corajosa e da persistência de Mariinha. Só lamentava, em entrevistas, o inevitável envelhecimento. Saudade, só da beleza estonteante da juventude. Nada mais compreensível.

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