19 de agosto de 2011 | 00h00
Nunca, porém, até este Os Últimos Soldados da Guerra Fria, a tarefa desses agentes de inteligência foi tão esmiuçada. Numa reportagem minuciosa e de pertinácia extrema Fernando Morais desvenda o trabalho de catorze agentes enviados para a Flórida com a missão de espionar grupos terroristas cuja tarefa é praticar atos de sabotagem contra Cuba. Exilados da Revolução, esses grupos contam com o beneplácito das autoridades dos Estados Unidos e com a leveza de um sistema judiciário obstinado em preservá-los. Sua rede é eficaz e estende ramificações por vários países centro-americanos, onde são recrutados mercenários encarregados de missões terroristas na ilha.
A missão dos agentes cubanos instalados na Flórida era prevenir seu governo e impedir que essas ações fossem realizadas. Foram pegos, menos um, que havia voltado para Cuba, e outros três que conseguiram escapar. Dos dez presos, cinco aceitaram acordos com a Justiça e, depois de receberem penas leves, foram contemplados com um programa de proteção que mudou suas identidades. Não há rastro deles. Cinco, porém, se recusaram a esses acordos, e foram condenados à prisão perpetua. Três tiveram depois suas penas comutadas a entre dezoito e trinta anos de prisão. Outros dois tiveram suas prisões perpétuas confirmadas, acusados de espionagem contra a segurança nacional dos Estados Unidos e de serem cúmplices em assassinatos. O livro de Fernando Morais deixa claro que não fizeram nem uma coisa, nem outra, e mostra os vícios processuais ocorridos no julgamento.
Com todos os elementos clássicos de uma história de espionagem e de violência, Os Últimos Soldados da Guerra Fria abriga, ao longo de suas 400 páginas, revelações surpreendentes. Assim, surpreende, em primeiro lugar, a vida franciscana e desprovida de qualquer encanto levada pelos agentes cubanos na Flórida. Chama a atenção a simplicidade de sua estrutura - e chega-se facilmente à conclusão de que exatamente por ser simples essa estrutura pôde funcionar durante quase oito anos. Em segundo lugar, surpreende o fato de o FBI ter detectado a rede de espiões cubanos em 1995, e levar quase três anos para prender seus integrantes.
Acima de tudo, porém, surpreende o que há de mais revelador no livro: o poder e a liberdade de movimento dos grupos de exilados radicais instalados na Flórida, algo que nunca fora deixado tão evidente. O caso de dois aviões de uma associação chamada Hermanos al Rescate derrubados pela Força Aérea Cubana quando supostamente realizavam pacíficos voos para arremessar sobre a ilha folhetos contra o governo de Fidel Castro é especialmente esclarecedor. Há, porém, mais, muito mais, nesse trabalho modelar de um repórter que, apesar de sua pública simpatia pelo regime cubano, fez algo cada vez mais raro em nosso país: uma reportagem límpida, rigorosa, objetiva e reveladora. Com Os Últimos Soldados da Guerra Fria caem muitas máscaras, são dissolvidos muitos argumentos falaciosos, e é revelado muito mais do que havia sido até agora sobre o cotidiano sacrificado de uma pequena ilha que um dia quis fazer sua revolução - e fez.
ESCRITOR, AUTOR DE, ENTRE OUTROS, O MASSACRE(PLANETA, 2007) E ANTOLOGIA PESSOAL (RECORD, 2008)
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.