O Ministério da Cultura não renovou um convênio que mantinha com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) no âmbito da Política Nacional de Cultura Viva, que realoca recursos do MinC para os “Pontos de Cultura” espalhados pelo País. Cerca de R$ 684 mil que estavam na UFSCar desde 2015 serão agora devolvidos à União.
O dinheiro seria repassado para seis pontos de cultura na cidade que foram selecionados por um edital.
"O projeto está em execução, desde 2015, com a participação de professores e estudantes da UFSCar”, afirma o coordenador do projeto de extensão e professor da UFSCar, Wilson Alves-Bezerra. “Foram realizadas oficinas de elaboração de projetos, plantões de dúvidas e a seleção ocorreu com a anuência e participação do Ministério.”
O programa de extensão da Universidade apresentou à reportagem relatórios internos de atividades, que incluem a elaboração do edital de seleção e o resultado do mesmo, divulgado oficialmente em 1º de fevereiro de 2017 no Diário Oficial da União.
Bezerra explica que a renovação do convênio - que originalmente vencia em julho de 2016 - foi elaborada por solicitação do próprio Ministério. “O gesto unilateral da nova secretaria do Ministério é de difícil - para dizer o mínimo - justificativa”, opina, sobre a não renovação.
Para ele, a ação abre um precedente grave. “O MinC abriu mão de um convênio em execução, um dinheiro que já estava na universidade”, aponta.
A Rede Pontos de Cultura UFSCar-São Carlos foi estabelecida por meio de um Termo de Execução Descentralizada (TED) entre MinC e UFSCar em 2014. Após um atraso de oito meses na liberação do dinheiro por parte do MinC (tempo “devolvido” pelo Ministério no convênio) e na adequação a novas regras pelas duas partes, o edital de seleção foi divulgado em novembro de 2016, cumprido com anuência do MinC e elegeu seis pontos de cultura na cidade - o resultado final foi anunciado no dia 1º de fevereiro de 2017 no DOU.
Com as prorrogações assinadas pelas duas partes ao longo dos últimos anos, o convênio tinha um prazo final no dia 12 de fevereiro de 2017. Agora, não foi renovado pelo Ministério da Cultura.
O Ministério contesta e diz que a execução do plano de trabalho estabelecido no convênio não justifica sua manutenção. “Estamos simplesmente cumprindo a legislação”, diz o chefe de gabinete da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural do MinC, Cristiano Vasconcelos. “Não existiu execução. Não tem porque se manter. Não vai ser agora que vai ser executado. O projeto já perdeu o sentido, é uma coisa de 2014 que vem se arrastando. Para a gente é muito mais interessante que se encerrem os ciclos e projetos que não andam.”
Ele garante, por outro lado, que isso não é um sinal de que o MinC vai alterar as políticas que vêm funcionando. “O Ministério vai manter todos os programas e convênios que estão dando certo”, diz Vasconcelos. “Inclusive já renovamos alguns. O que não vai passar são os com problemas de gestão de contas e execução.”
Em fevereiro, o Minc anunciou uma “força-tarefa” para otimizar a análise de prestação de contas de projetos para captação de recursos via Lei Rouanet, convênios de Pontos de Cultura e contratos de audiovisual. 148 servidores temporários foram deslocados ao Ministério para analisar o passivo de quase 20 mil projetos, segundo o órgão.
“O projeto estava absolutamente regular, a prestação de contas estava em dia, o edital fora aprovado pelo próprio Ministério e, para nossa surpresa, sem maiores explicações, a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural simplesmente não assinou o Termo Aditivo de Prazo, matando o projeto, e fazendo com que mais de meio milhão de reais deva ser devolvido à Conta Única da União”, contesta Alves-Bezerra, coordenador do projeto em São Carlos.
Objeto. Os Pontos de Cultura são grupos e coletivos que desenvolvem atividades culturais nas comunidades, reconhecidos e certificados pelo MinC. Em São Carlos, um dos seis pontos atingidos pela não renovação do convênio é a Associação Instituto Cultural Janela Aberta, que pretendia utilizar os recursos para a reforma de um galpão para artistas e a formação de novos agentes culturais.
“Além da possibilidade de atividades culturais permanentes e gratuitas, investiríamos também na profissionalização de artistas e produtores, esse dinheiro aqueceria o mercado”, diz a produtora local Wendy Palo. “Isso aconteceria com todos os seis pontos que seriam contemplados. O grande passo para trás é que o dinheiro seria injetado na cidade, na cultura, e agora volta para a União”, lamenta. “É como se o MinC estivesse abrindo mão desses recursos.”
Em 2013, a gestão anterior da Prefeitura de São Carlos havia cancelado unilateralmente o convênio com o MinC sobre os Pontos de Cultura.
CONTEXTO
O atual ministro da Cultura Roberto Freire assumiu o cargo em novembro de 2016, em meio a uma das graves crises pelas quais passou o Governo Federal. O então ministro Marcelo Calero renunciou alegando pressões escusas do alto escalão do Governo, e Freire assumiu pregando “diálogo” e dizendo que reformularia a Lei Rouanet. A atual secretária de Diversidade Cultural e Cidadania, Débora Albuquerque (presidente do PPS em Pernambuco), assumiu em janeiro de 2017 após uma passagem relâmpago pelo cargo de Luiza Ribeiro, ex-vereadora de Campo Grande, que havia pedido um “Fora, Temer” nas redes sociais.