Mil faces do modernismo carioca

O Paço Imperial do Rio de Janeiro expõe Quando o Brasil Era Moderno/Rio de Janeiro de 1905 a 1955, com obras de Eliseu Visconti a Hélio Oiticica e entre as raridades nunca vistas, quatro grandes telas abstratas pintadas por Portinari

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Por Agencia Estado
Atualização:

A exposição Quando o Brasil Era Moderno/Rio de Janeiro de 1905 a 1955, em cartaz no Paço Imperial do Rio de Janeiro até 25 de março, propõe uma leitura inédita do movimento que marcou definitivamente as primeiras décadas do século. Em vez de enfocar apenas a obra dos artistas normalmente identificados com a quebra dos padrões estéticos acadêmicos vigentes ou abordar a questão pelo lado do pensamento arquitetônico e urbanístico, a mostra concebida pelo diretor do Paço, Lauro Cavalcanti - que não por acaso é também arquiteto e antropólogo social - propõe reunir esses vários elementos, reafirmando a real integração entre os aspectos éticos e estéticos do modernismo. Até mesmo a escola freqüentada por artistas e arquitetos era a mesma. A Escola Nacional de Belas Artes formou Lúcio Costa e Frans Weissman (que, aliás, foi expulso por recusar-se a fazer cópias). Todos tinham a mesma formação básica e era nos corredores da escola que se discutia o futuro da nação, da arte e das cidades, com um otimismo que hoje chega a parecer um pouco ingênuo. E cabia aos arquitetos falar pela sociedade, propondo novos rumos e projetos, papel desempenhado hoje pelos economistas. A mostra tem como marco inicial a abertura da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, em 1905. A partir desse primeiro gesto começam os primeiros sinais de modernidade da cidade, que convivem em certa harmonia com o estilo antigo preponderante. Nas artes plásticas, esse papel é desempenhado por Eliseu Visconti, recém-chegado da Europa e que foi um dos primeiros a introduzir modernidades na tímida e bem-comportada pintura local. Definido pelo crítico Mário Pedrosa como "marco divisório da pintura nacional", Visconti está representado na exposição com o quadro Vista do Mar, de 1902. Em termos cronológicos, o segundo momento da exposição corresponde à construção dos ministérios, uma "verdadeira guerra de estilos", segundo Cavalcanti. No mesmo período foram erigidos o Ministério da Educação, um dos monumentos da arquitetura moderna no Brasil, que foi desenhado por Le Corbusier, o Ministério do Trabalho, de estilo art déco, e o prédio que abrigava a pasta da Fazenda, um autêntico prédio neoclássico. No campo das artes plásticas, vigorava o que Cavalcanti definia por alto modernismo, ou seja, período em que a gramática moderna estava completamente firmada. Estão representados nesse núcleo artistas como Di Cavalcanti, Djanira e Pancetti. Um dos méritos dessa exposição é que ela procurou romper a forma tradicional de se montar um panorama da arte moderna. Em vez de retomar pela enésima vez os clássicos do movimento, Cavalcanti foi procurar obras pouco conhecidas do grande público selecionando apenas uma obra clássica de cada artista (cerca de 60 autores estão representados na mostra). Finalmente, o terceiro núcleo da exposição refere-se à abertura do aterro, "o espelho carioca de Brasília", segundo o curador. Visualmente, temos o nascimento do abstracionismo geométrico, que levará ao concretismo e neoconcretismo. O último artista representado na mostra é Hélio Oiticica. Entre as atrações nunca vistas pelo público estão quatro grandes telas abstratas pintadas em 1943 por Portinari (algo duplamente supreendente já que Portinari pintou pouquíssimas obras abstratas e essas foram feitas num período de predomínio absoluto da figuração) para as salas do ministro Capanema e seus auxiliares, representando os quatro elementos (ar, terra, fogo e água) que jamais haviam sido reunidos numa mostra pública. Outra atração surpreendente da exposição são as fotos sobre o Brasil feitas por fotógrafos alemães em meados dos anos 30 a pedido de Getúlio Vargas. O projeto de realização de uma Getuliana foi interrompido, mas essas 140 imagens, que segundo Cavalcanti parecem feitas por uma Leni Riefenstahl dos trópicos, falam muito das simpatias do governante com o nacional socialismo. Sem rupturas - Uma das constatações dessa exposição - que procura ver o Rio de Janeiro integrado às outras regiões brasileiras, fugindo do vício recorrente entre os cariocas de pensar que o Rio e Brasil são a mesma coisa - é que na antiga Capital Federal, o modernismo se contrói de maneira mais suave do que em outras paragens. "Não houve aqui rupturas como em São Paulo", explicou o curador em entrevista por telefone. Mesclando uma visão artística e histórica, a exposição lança mão também de outros recursos, como o vídeo e as projeções audiovisuais. Na tentativa de tentar aprofundar a discussão sobre um tema tão vasto quanto o modernismo, os organizadores decidiram perguntar a 30 personalidades - do economista Carlos Lessa à cantora Fernanda Abreu - o que era a modernidade, obtendo um resultado absolutamente diversificado. A pesquisa, que contou com o apoio do centro de documentação da Fundação Getúlio Vargas e da Cinemateca Brasileira, foi iniciada há cerca de um ano. E ainda continua por algum tempo, já que em março serão lançados três livros sobre o tema da mostra. A mostra é a segunda de uma trilogia, iniciada com a exposição Brasil Redescoberto (um mergulho na arte do século 19, desde a chegada da coroa portuguesa), realizada no ano passado e que será encerrada em 2002 com um levantamento sobre a arte brasileira da segunda metade do século que se encerra.

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