18 de maio de 2014 | 02h13
Michael Jackson aparecerá hoje no palco do Billboard Music Awards para, em tese, apresentar Love Never Felt So Good, uma de suas melhores músicas dos últimos 20 anos - sobretudo se considerarmos as frequentes decepções criadas por seus últimos lançamentos. Simples, solar, sexy e surpreendentemente viva, dá vontade de ouvir várias vezes seguidas, dançar, fazer planos. Se nos entregarmos livremente, sua atmosfera nos coloca em um estado de espírito vibrante, romântico e feliz. Esse é o poder de uma grande canção.
Quincy Jones já ensinou: um grande cantor com uma canção ruim não chega até a esquina; um cantor mediano com uma grande canção pode conquistar o mundo. Love Never Felt So Good foi composta em 1983 por Jackson e o hitmaker canadense Paul Anka, foi gravada por Johnny Mathis no ano seguinte, em um estilo meio Philadelphia/Gamble&Huff, durante um período mágico e fértil da trajetória do músico, onde criar e dançar, além de não ser um problema, era o combustível para os seus sonhos e objetivos, focos únicos da sua atenção. A música governava, então.
Ao ouvir a demo e a versão final é inevitável concluir: a música nasceu pronta. Está tudo lá. E é nesse ponto que entra um grande produtor/arranjador. Alguém capaz de ampliar, realçar, traduzir, estabelecer enfim uma forma musical representante de toda gama de sentimentos existentes na canção - além de tentar obter unidade sonora e emocional entre uma voz gravada há décadas e uma criação instrumental dos dias de hoje.
Antonio "L.A." Reid, Timbaland e seu time atingiram o objetivo. Muito acertada a escolha da família de instrumentos para a faixa, por exemplo, incluindo piano acústico, cordas, guitarra, baixo analógico, bateria e percussões acústicas (na hora do refrão há um "groove" de agogôs, clave e cow-bell semelhante a Workin' Day and Night). O resultado é um som orgânico tipo Off The Wall, tratado com a tecnologia de áudio contemporânea, ganhando peso, brilho, clareza e profundidade. Retrofuturismo musical.
Agora vamos ao melhor de tudo. A performance vocal do Michael. Perfeita. Sem os maneirismos idiossincráticos vocais excessivos utilizados amiúde desde 1995, tem o frescor da juventude e a maturidade vocal de alguém que cantava desde os 8 anos. Ele não interpreta; ele vive cada palavra. Econômico e cool no começo, crescente no decorrer da melodia. Canta muito. É um dos grandes.
Os tabloides sensacionalistas detritívoros estão certos. Michael Jackson está vivo.
JOÃO MARCELO BÔSCOLI É
MÚSICO E PRODUTOR MUSICAL
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