Mestre Didi expõe 25 peças em São Paulo

Tributária dos mitos e rituais da cultura nagô africana, a arte deste sacerdote do candomblé pode ser vista a partir de hoje na Galeria São Paulo

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Há duas maneiras distintas - mas não conflitantes - de se olhar para as esculturas de Mestre Didi expostas a partir de hoje na Galeria São Paulo. O espectador pode ver as 25 peças em exibição como obras de arte ou então como objetos de culto religioso, já que foram criados por um sacerdote nagô do candomblé. Os não-iniciados nos complexos significados sagrados que envolvem sua criação poderão retirar das obras de Mestre Didi o que de mais imediato elas oferecem: uma experiência estética de alto nível, baseada na visão das mais elegantes peças que a arte afro-brasileira já produziu em toda sua história. Embora negue estatuto sacro às suas esculturas, Mestre Didi produz uma arte diretamente tributária dos mitos e rituais da cultura nagô africana, na forma em que foi perpetuada em solo brasileiro, na Bahia. Na origem, sua arte deriva de uma missão, recebida como supremo sacerdote, de executar todos os emblemas do culto nagô, como os xaxarás e os opás (cetros). Antes de tudo, suas imagens em nervuras de palmeira, conchas e couro estão ali para evocar uma experiência de transcendência religiosa. Apesar de virem carregadas de sentidos ritualísticos afro-brasileiros, as esculturas exibem um marcado rigor compositivo, cromatismo bem cuidado e precisão técnica em sua confecção. Em sua simplicidade, as criações de Mestre Didi são impressionantes. Suas esculturas são estruturas totêmicas que reúnem três características da simbologia afro: ibiri (o feminino, representado pelas formas curvas), xaxara (o masculino, representado por uma estrutura ereta) e oxumaré (a serpente, símbolo da união entre a Terra e o além). As fortes cores, presentes nos braceletes de couro que marcam os pontos de tensão das peças, também são simbólicas - o branco é o poder que permite a existência, o vermelho pode ser dinastia ou transformação, uma cor que dinamiza, enquanto o preto é a que dá finalidade às coisas do mundo. Mesmo os materiais utilizados possuem sua carga mítica. Os búzios, por exemplo, sempre trazidos da África - o que contribui para encarecer as peças, com preços que variam de R$ 4.500 a R$ 22 mil - podem representar a fecundidade, o poder, a riqueza ou os mortos. As nervuras, colhidas dos brotos de palmeira e submetidas a um longo processo de limpeza e secagem, estão ligadas ao símbolo da árvore como emanação, a partir da terra, do poder dos ancestrais. Obras de vanguarda - Aos 84 anos, Mestre Didi não dá entrevistas sobre seu trabalho nem fala com jornalistas. Aliás, não fala com ninguém de fora do Ilê Asipá, sociedade de culto aos ancestrais africanos, que ele fundou e preside em Salvador. Tendo recebido, em 1975, o título de Alapini, o mais alto grau da hierarquia sacerdotal da representação religiosa nagô, Deoscóredes Maximiliano dos Santos - seu nome verdadeiro - prestou um juramento privando-se de falar em público, a não ser no âmbito do Ilê Asipá, uma vez que sua palavra é considerada sacrossanta. Na noite de hoje, como sempre ocorre em seus vernissages, Mestre Didi deve estar acompanhado de sua mulher e porta-voz, a antropóloga argentina Juana Elbein dos Santos, que o conheceu em 1964 e com ele se casou no ano seguinte. É Juanita, como gosta de ser chamada, que fala do trabalho do marido, função adquirida depois de passar por várias obrigações religiosas, recebendo o título de Abeké. Segundo ela, o conhecimento que o público em geral tem da civilização afro-brasileira é superficial, deturpado e permeado por superstições, medos e misticismos. "Isso vem sendo perpetuado pelos meios de comunicação de massa, que não reproduzem a verdadeira identidade dos objetos", diz Elbein. Uma das grandes preocupações da antropóloga tem sido desfazer a visão comum de que as esculturas de Mestre Didi são objetos-rituais: "É absolutamente errado vê-las como obras religiosas. Elas são criações de um artista que pensa e imagina segundo os padrões da sua cultura." Mestre Didi. De segunda a sexta, das 10 às 19 horas; sábado, das 10 às 17 horas. Galeria São Paulo. Rua Estados Unidos, 1.456, tel. 3062-8855. Até 21/11. Abertura hoje, às 21 horas, para convidados.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.