Menina americana é fenômeno literário

Sahara Sunday Spain é a poetisa-prodígio de 9 anos que vem recebendo elogios de gente tão diferente quanto Alice Walker, Bill Cosby e Quincy Jones, além dos jornais New York Times e do Observer inglês

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Por Agencia Estado
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Ela tem sido elogiada por gente tão distinta quanto Alice Walker, Bill Cosby e Quincy Jones. Ao conhecê-la, a escritora e militante feminista Gloria Steinem, de Revolution from Within: A Book of Self-Esteem, pediu para escrever a introdução do seu único livro. O jornal americano The New York Times publicou artigo no qual ela é descrita como "a resposta aos sonhos multiculturais da indústria editorial". A poderosa editora HarperCollins pagou mais pela sua obra do que pagara para o laureado poeta Ted Hughes por seu Birthday Letters. Segundo o Observer britânico, a autora é "precocemente brilhante". Detalhe: ela só tem 9 anos. Ela é a poetisa-prodígio Sahara Sunday Spain, saudada pela imprensa especializada americana como a grande promessa das letras inglesas da temporada. Tem um único livro publicado, If There Would Be no Light - Poems from My Heart. Seu nome, que mais parece um codinome, é real. "É Sahara porque minha mãe tinha estado fotografando na África e me teve logo após conhecer o deserto", contou a pequena autora, em entrevista exclusiva, na quinta-feira, por e-mail. A mãe é uma fotógrafa de renome internacional, Elizabeth Sunday. O pai, Johnny Spain, foi integrante do movimento negro radical Panteras Negras. "Sempre estimulei Sahara a expressar a sua verdade, a não ter medo de ter a própria voz", disse à reportagem a mãe da jovem autora, Elizabeth. "Ela começou escrevendo e ilustrando livros com poemas naqueles dias ociosos, para dar de presente a amigos", disse a fotógrafa. "Isso começou já no jardim de infância", lembra. Sahara escreve de 80 a 100 novos poemas em cada ano escolar, segundo a mãe. Ela já tem 40 novos poemas escritos desde setembro e vai começar a ilustrá-los para seu novo livro, que pretende dar para os colegas de escola em junho. A pequena escritora não gosta de ler jornais, explica sua mãe. Ela guarda cópias para que a filha leia, "quando tiver uns 13 anos". A menina tem vivido, como conta a mãe, num loft em São Francisco, onde gerações de artistas de uma mesma família compartilham moradia e espírito criador. Foi criada "sendo crítica em relação a brinquedos fáceis, fast-food e pop music". Há tantos livros bons no mundo, diz Elizabeth, tanta música maravilhosa, grandes vinhos e boa comida, que não há por que submeter as crianças à tirania do consumo e da TV. Elizabeth Sunday não crê na tese moderna do "tudo é permitido" na educação infantil. É uma mãe zelosa, que acha que faz parte da responsabilidade materna influenciar o gosto da criança numa idade de vontade débil e manipulável. "Minha questão é: por que empurrar a criança sobre a cultura popular antes que ela tenha um olhar e um ouvido seletivos?", indaga. "Eu acredito em expor as crianças a outra cultura, à arte, música erudita, literatura e acredito em fazer as coisas juntos - coisas simples, como cozinhar, dialogar", diz. É ciosa mas também democrática. Nos contatos, faz questão de sublinhar qual opinião é exclusivamente sua e qual é a da sua filha. "Ela é a voz da nova geração", entusiasma-se a publisher de Sahara, a californiana Liz Perle. A editora confessa que, quando os direitos do livro foram adquiridos ela manteve um certo ceticismo, mas depois acabou se convencendo do valor intrínseco da obra de Sahara. "Estava fora dos parâmetros do que uma criança poderia conhecer naquela idade", afirma. Ainda assim, Liz recomenda cautela no tratamento dado à jovem autora. "Não é o trabalho do Bardo, mas a obra de uma criança muito brilhante", pondera. Um jornal britânico chegou a noticiar que o contrato da jovem poetisa teria custado cerca de US$ 100 mil à Harper. Isso teria causado ciumeira em alguns colegas de pena, como Andrew Motion, que criticou a criança-prodígio e suas ilustrações. Sahara respondeu às críticas com seu estilo pessoal, dizendo que, se os poetas estão em busca de avanços, talvez eles possam aprender a desenhar também. Elizabeth Sunday diz que não entendeu a idéia do redator do New York Times sobre Sahara representar a concretização de "sonhos multiculturais" da indústria editorial. Ela diz que cria Sahara com a idéia de embalar uma "cidadã do mundo", que esteja apta a viver numa sociedade global. "Repartimos ar, água e natureza com todo o mundo e as pessoas não são isoladas como foram um dia", ela pondera. "Nossa responsabilidade é dar responsabilidade e conhecimento sobre todos os povos." É por isso que Sahara já fala uma segunda língua, o francês, afirma. E visitou oito países, tomando contato com o hinduísmo e as tradições budistas. "Quem vive hoje num subúrbio americano sofre a influência da floresta tropical do Equador", exemplifica a mãe. Sahara cresceu na região da Baía de São Francisco, na Califórnia. Seu maior tabu é a presença paterna. Johnny Spain integrou o famoso grupo militante San Quentin Six, nos anos 70. Três de seus parceiros presidiários foram assassinados por guardas e Spain, acusado de assassinato e conspiração, foi condenado. A menina foi criada pela mãe, uma fotógrafa de vanguarda que passou boa parte da vida fotografando tribos africanas. Com 8 anos, ela conheceu madre Teresa de Calcutá. Na tradição meio hippie de sua família, esteve em cerimônias em Bali e com monges tailandeses. Fã da cantora folk Bonnie Raitt, ela encontra correspondência. "Eu nunca encontrei alguém com um toque de luz tão extraordinário quanto Sahara", diz a cantora. "Sua arte, seja sua poesia, pintura ou música, a atravessa como fachos de luz - ela tem um dom muito especial", diz Bonnie. "Eu espero que ela possa estimular outras crianças a encontra as próprias vozes", diz a feminista Gloria Steinem, a quem Sahara chama de "avó adotiva" e a quem dedicou o poema In Beautiful Girls, não publicado, um primor de catequização feminista. "Curiosity falls upon them/as girls try to learn their heresy/meaning history/Cold winds/streak across their faces/when girls realize what has happened in their past." Mas, no geral, os temas de Sahara são simples (o céu, a chuva, a natureza de uma maneira geral e objetos do seu dia a dia) e seu ritmo é contagiante. Com pouco mais de um ano, já formulava sentenças completas. Não é forçada a produzir, diz. Faz as coisas como parte de uma rotina diária - escrever e escovar os dentes na mesma hierarquia. Além dos 40 novos poemas, ela rabisca uma coleção de histórias sobre uma garota chamada Tracy Spectacular, que aprende lições com seus pequenos animais domésticos. O livro If There Would Be no Light (Harper San Francisco), de Sahara Sunday Spain, custa US$ 13,60 e não está disponível nas lojas brasileiras. Pode ser encomendado na Amazon.com.

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