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Memórias cavadas no subsolo

Sylvio Back prepara-se para o desafio de filmar Angústia, de Graciliano Ramos

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O diálogo com as letras está sempre presente na carreira de Sylvio, com atestam sua cinebiografia poética Cruz e Sousa - o Poeta do Desterro, e também com a versão do suicídio em Petrópolis do escritor austríaco Stefan Zweig, na produção internacional Lost Zweig, baseada no livro de Alberto Dines, Morte no Paraíso. A vocação de diálogo com a literatura continua agora na adaptação do romance do escritor alagoano Graciliano Ramos, Angústia, prevista para o início do ano que vem.Ganhando musculatura para o desafio, Sylvio já filmou o documentário O Universo Graciliano, com locações em Maceió e Rio de Janeiro, uma espécie de preparação para a abordagem da ficção do autor alagoano. "O filme vai ao encalço de rastros, sombras e escombros imemoriais em torno e sobre o genial Graciliano, que viveu de 1892 a 1953", conta. Esse documentário prospectivo é definido pelo cineasta como espécie de "ensaio geral" com vistas à abordagem de Angústia, romance jamais filmado de Graciliano. O difícil trabalho de passagem da prosa do escritor alagoano para as telas terá início no final do ano.A prática do "documentário prévio" vem ganhando adeptos. Basta lembrar que, antes de Back, Walter Salles filmou um doc percorrendo as trilhas da beat generation como aquecimento para adaptar o clássico de Jack Kerouac On the Road, que ganhou o título em português de Na Estrada e continua em cartaz nas salas brasileiras depois de haver participado do Festival de Cannes.O desafio maior de Back vem com a filmagem desse grande romance brasileiro que é Angústia. "Para o início do ano que vem estou preparando as filmagens em Maceió e no Agreste alagoano do romance, com roteiro de minha autoria, e cuja produção encontra-se atualmente em fase de captação de recursos", diz o diretor. É um projeto que Sylvio vem "acarinhando" faz sete anos.Sabe que, além das dificuldades intrínsecas da versão para a tela terá de enfrentar comparações. "Dos livros 'clássicos' de Graciliano, Angústia é o único ainda não filmado; os demais, Vidas Secas e Memórias do Cárcere, ambos de Nelson Pereira dos Santos, e São Bernardo, de Leon Hirszman, são hoje obras seminais do cinema brasileiro. Por aí pode-se aquilatar a minha responsabilidade", diz. De fato, Vidas Secas é tido como uma das obras clássicas do Cinema Novo, assim como São Bernardo. Memórias do Cárcere foi o filme considerado como símbolo do processo de abertura política que se realizava no País, após 20 anos de ditadura. Mas, para além de sua implicação política, é a qualidade estética desses filmes que os impõe como padrão e patamar.Angústia é também um grande desafio. É, talvez, o mais "existencial" e atormentado dos romances de Graciliano. Seu personagem, Luís da Silva, sem deixar de ser brasileiríssimo e nordestino, tem um toque dostoievskiano. A narrativa flutua entre a vida presente do funcionário Luís e recordações da sua vida pregressa, da morte do pai e do amor ambíguo por Marina. O engraçado é que, a certa altura da narrativa, o personagem não deixa de destilar sua raiva contra uma invenção moderna que, de acordo com ele, seria contra a moral e os bons costumes - o cinema.O fato é que as dificuldades são muitas. Narrado em primeira pessoa, com linha temporal fragmentada e uma densidade psicológica difícil de encontrar em personagens contemporâneos, do cinema ou da literatura, Angústia é uma das obras-primas das letras brasileiras. Para vertê-lo para o cinema, é preciso, primeiro, compreendê-lo de forma profunda. Foi o caminho escolhido por Back. "As pesquisas para filmar O Universo Graciliano nasceram à época da escritura do roteiro de A Angústia (é o título que terá a produção) quando me dei conta que até então ninguém havia realizado um filme sobre a vida-obra-e-morte de Graciliano Ramos", diz.Aprofundando-se no ambiente em que viveu Graciliano Ramos, o cineasta acredita ter adquirido uma visão abrangente sobre o personagem e sua obra. "Confesso que imergindo nele, até compreendi melhor as vísceras morais do romance." Fãs de Graciliano, ficamos na torcida.

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