01 de outubro de 2010 | 00h00
Na verdade, não foi uma reviravolta, mas apenas a continuidade de um percurso que incorpora a música sem adjetivos. Um universo em que Tom Waits (Martha), Radiohead (Exit Music), Nirvana (Smells Like Teen Spirit), Beatles (Blackbird) têm tanto direito de cidadania quanto Bach, Beethoven, Brahms e os românticos que Mehldau praticou com afinco na meninice.
Agora, aos 38 anos, ele parece estar em novo patamar em sua carreira, tecida com a antológica série de CDs The Art of the Trio. Os temas, colhidos no jazz e no pop, já não têm quase importância em suas criações. Importa mais trabalhar com pequenos fiapos melódicos, rítmicos ou harmônicos desses temas.
Olhos quase sempre fechados, Brad pratica a teatralidade gestual de virtuose clássico. Só se fixa no teclado quando quer acariciar uma sutil dissonância ou brincar com superposições harmônicas. Esta foi a impressão do recital solo de quarta, na Sala São Paulo. Em forma técnica estupenda, tocou temas de músicos populares e eruditos. E sinaliza novos rumos.
Ao que tudo indica, Mehldau fará um recital apenas com improvisos, sem pretextar temas conhecidos, em sua próxima vinda a São Paulo. Sua sólida formação clássica começa a preponderar. Já gravou um CD com canções próprias estilo "lied" com a soprano Renée Fleming (Love Sublime, 2006); e seu mais recente disco é o álbum duplo Love Songs, lançado este mês na Europa pelo selo Naive: no primeiro CD, sete canções aparentadas ao universo schubertiano que compôs sobre versos de Sara Teasdale (1884- 1933); no segundo, um buquê de refinadas canções lentas de Leo Ferré, Michel Legrand, Joni Mitchell e Leonard Bernstein, entre outros. E sua parceira é a maravilhosa meio-soprano sueca Anne Sofie Von Otter.
É preciso ouvir música com humildade quando topamos com o sublime, escreveu ele em recente artigo. É raro, mas palco e plateia irmanaram-se por quase duas horas na sublime humildade diante do mistério da música, graças às artes raras de Mehldau.
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