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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Me ajuda, Jane Fonda!

E se eu for para a academia e tirar umas duas selfies na frente do espelho? Será que emagreço do mesmo jeito? Deus, me esclareça, que criação imperfeita somos nós! Como assim não é possível emagrecer bebendo IPA?

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Acordo para mais um dia pandêmico, me olho no espelho e me sinto um bagaço. Bom dia, brasileiros! Esse sou eu na exata manhã em que cometo essas mal digitadas linhas.

Penso em combater esse bode matutino inventando alguma coisa para incrementar minha rotina (privilegiada) de trabalho e sofá. Por que não cuidar do físico, malhar e me sentir um tico mais saudável? Afinal, é urgente controlar o desaforo dessa barriga que insiste em despontar no horizonte da minha própria pessoa.

Penso em aulas virtuais, vídeos de ginástica e Jane Fonda.

Jane Fonda e os incentivos para malhar durante a pandemia Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Não tenho collants de lycra, polainas ou faixas de usar na cabeça, mas procuro no YouTube um desses vídeos clássicos dos anos 1980.

Tento me animar, dou uns pulinhos e bato com meu calcanhar no sofá. A dor me desconcentra, perco o equilíbrio e quase caio em cima da mesinha de centro.

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Jane Fonda poderia ter me matado.

Pernas no sofá para fazer abdominal? Levantar garrafas de gim com se fossem halteres? “Fazer barra” no box do banheiro? Corridinha ao redor da cama?

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Não tenho espaço em casa para me meter com essas coisas de malhação. E muito menos academia no prédio.

Estão vendo? Eu tentei, desisto! Vou abrir esse pacotinho de Cheetos e respirar um pouco antes de tomar qualquer outra decisão...

Mas Jane Fonda dos anos 1980 pisca para mim. Mais do que isso: ela fala comigo. Em bom português, Jane Fonda manda eu sacudir os quadris e exercitar os glúteos.

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Desligo o computador, mas Jane Fonda não sai da minha cabeça. Ouço a voz dela e saio fazendo polichinelos pela casa. Sou descoordenado, mas abato um mosquito chato em pleno voo.

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Ok, você venceu, Jane! Assim que eu terminar de comer meu pão francês com Nutella, vou vestir minha máscara, sair de casa e me matricular em uma academia.

São três quadras até a academia mais próxima. Ir é fácil, uma descida suave. Mas na volta vai ser sofrido. Subir a rua Purpurina acaba com meu fôlego. Tá bom, posso pedir um carro pelo aplicativo para retornar – mas isso vai me custar mais uns dez reais por dia. Se eu fizer academia todo santo dia, são setenta paus por semana. Mas quem é maluco de fazer academia todo o dia? Três, duas vezes por semana já está bom demais. Não é, Jane?

Tomo meu copão de refrigerante e sigo para o meu objetivo. Jane Fonda bate palmas e me incentiva. No caminho, penso no quanto um novo gasto mensal pingando no meu cartão pode abalar minhas finanças. Tento dar meia volta. Jane Fonda me segura pelo braço.

Na academia, peço as informações de praxe e ganho um tour pelo espaço. Jane Fonda me olha orgulhosa – como uma mãe que deixou o filho pela primeira vez na escolinha.

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Tento me interessar por uma esteira ou por uma bicicleta ergométrica. Mas correr ou pedalar sem sair do lugar é por demais metafórico quando penso na minha própria vida. E se eu for para a academia e tirar umas duas selfies na frente do espelho? Será que emagreço do mesmo jeito?

Mas não me matriculei. Peço um dia para pensar, mas prometo voltar ainda esta semana. Não tive coragem. Não tenho tempo. Acho que vou decepcionar a Jane Fonda.

Faço um convite para uma cerveja, Jane diz que não, que nunca, e desaparece. Deus, me esclareça, que criação imperfeita somos nós! Como assim não é possível emagrecer bebendo IPA?

Volto andando para casa. Não tenho fôlego para mais nada. Guardei o panfleto da academia no bolso da calça. Cuidar da saúde tem que ser minha prioridade. Depois do jantar, vou tomar essa decisão. Nada como um hambúrguer para desanuviar os pensamentos...É REPÓRTER DO ‘ESTADÃO’ E OBSERVADOR DA VIDA URBANA

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