Matheus Rocha Pitta e o fracasso do futuro

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Por Roberta Pennafort e RIO
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"Empresa compra por R$ 1 entulho da demolição de prédio da UFRJ." Ao ler a notícia, sete meses atrás, Matheus Rocha Pitta se sensibilizou. Dez anos antes, o artista plástico mineiro, recém-chegado ao Rio para estudar História, frequentara e fotografara o imponente edifício modernista - construído nos anos 50 para ser anexo do hospital universitário, inaugurado durante a ditadura militar, mas nunca utilizado, tornando-se um monumento ao desperdício e à obsolescência. Considerava o vazio daquele espaço algo libertário, do qual usufruíam tanto crianças das favelas vizinhas quanto universitários.Ele tinha acabado de ser convidado para expor no Paço Imperial, onde, em 2001, bem antes do reconhecimento internacional, estivera com sua primeira individual. Tão logo leu a matéria de jornal, foi ver de perto os escombros daquela "ruína natimorta", como enxerga o crítico Sergio Bruno Martins. Ao se deparar com as cem mil toneladas de concreto prestes a serem moídas para reciclagem pela empresa Britex, sentiu-se melancólico, e pediu para que lhe cedessem uma parte, antes de tudo ser devolvido à construção civil para futuras edificações. Acabou pagando R$ 400 por três caçambas de rachão e brita, o resto do concreto, dispostos na exposição Dois Reais, a ser aberta hoje, às 18h30. Abrigada pela Sala do Terreiro da histórica construção colonial, com curadoria de Martins, a mostra tira o caráter mercadológico do material aparentemente já desvalorizado, dado o real simbólico pago pela Britex. Não há fetichismo, moralismo nem didatismo. Há perguntas: qual o valor do passado? Como lidar com o fracasso do futuro?O prédio ainda é reconhecível em pedaços maiores de sua parte mais alta, revestidos de pastilhas beges - basta observar as fotos que o artista "emparedou" em lajes, assim como outros recortes de jornal e anúncios imobiliários. Partes menores, embaladas, formam esculturas.Um vídeo mostra a preparação de "pré-exposições" na mesma sala, desnaturalizando a atual. É o que restará em maio, quando da desmontagem e recolhimento do entulho. "Tive bastante cuidado para não fazer o mesmo que a empresa faz. Estou sustentando a contradição que existe na ação deles, e deixando todo o processo de negociação aparente", diz Rocha Pitta.O trabalho dá continuidade a uma discussão já proposta num trabalho feito num subúrbio londrino e trazido por ele à última Bienal: fotografias de uma fábrica desativada que guardava latas fechadas de alimentos há muito expirados. "As latas nunca entraram em circulação, assim como o prédio demolido. Falhas impediram que chegassem a ser usados, e Matheus está chamando a atenção para outro tipo de circulação", aponta o curador. A discussão sobre valor e memória vai além do Paço, erguido no século 18, usado no 19 como casa de despachos de D. João VI e no 20 aberto como centro cultural. Do outro lado do muro realiza-se semanalmente a famosa feira de antiguidades da Praça 15, com suas quinquilharias e preciosidades; mais adiante, está o viaduto da Perimetral, erguido há 40 anos e que poderá ser destruído em breve pela prefeitura, para revitalização da degradada região portuária.

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