Maternidade sustentável: o que é e como aplicá-la no dia a dia

Conheça histórias de quem busca uma criação ecologicamente correta para os filhos e confira 9 dicas fundamentais

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Por Camila Tuchlinski
10 min de leitura

O tempo de decomposição de alguns produtos que fazem parte da criação de um filho pode ser assustador. No caso de fraldas descartáveis, são 600 anos em que o material fica na natureza. É como dizer que, se tivesse sido inventada no século 15, até mesmo antes do descobrimento do Brasil, a primeira unidade ainda estaria entre nós. Na gestação do primeiro filho, Theo, hoje com 11 anos de idade, a bióloga Erika Guimarães ficou apreensiva: “Ficava me perguntando como lidar com as intermináveis listas de produtos “necessários” para o enxoval e em todo o incentivo ao consumo que a maternidade carrega. Então, eu e meu marido começamos a pesquisar sobre o assunto e a preparar nossa visão sobre como lidar com isso”, lembra. Laís de Oliveira descobriu que estava grávida aos 20 anos de idade, em 2011, e não sabia nada a respeito. “Fui na internet procurar mais sobre a criação de filhos e mergulhar nesse assunto. E foi aí que encontrei algumas famílias que já faziam uso da fralda ecológica. Aquilo ficou na minha cabeça, mas quando comentava com as pessoas, a maioria dizia: ‘ Ter filho é muito difícil, tu não tem noção e a fralda de pano você não vai dar conta, é só mais um problema’”, lembra. Mas a produção de lixo na maternidade começa muito antes do nascimento, já nos festejos do intitulado ‘chá revelação’, em que pais realizam uma confraternização repleta de decoração pouco sustentável, com enfeites de plástico e isopor. Em agosto, o DJ Alok, por exemplo, realizou um polêmico evento para anunciar o sexo do bebê que Romana Novaes está esperando. Com balões e fogos de artifício, o casal foi duramente criticado nas redes sociais. Balões podem ser fabricados de dois materiais: látex e nylon. Os primeiros são considerados mais adequados porque são biodegradáveis, mas demoram de seis meses a quatro anos para se decompor, ou seja, tempo suficiente para causar impactos ambientais irreversíveis. Ainda na gestação, os pais acabam se deparando com uma lista imensa de itens, muitas vezes desnecessários, para cuidar dos pequenos nos primeiros meses de vida.“Quando eu fiz o enxoval do meu filho mais velho, seis anos atrás, o legal era realmente você comprar tudo, até porque quer oferecer de tudo e o melhor. Mas acho que esse pensamento mudou. Oferecer o melhor não é ter tudo, mas ter um mundo melhor, mais consciente”, enfatiza Fernanda Floret, do blog Vestida de Mãe.

Fernanda Floret, do blog Vestida de Mãe, e os filhos Oliver, de 2 anos, e Nicolas, de 5 Foto: Rejane Wolff

Quando começaram a comprar os itens para o recém-nascido, Erika e o marido decidiram adquirir o mínimo possível. “Avaliamos a necessidade de cada item que as pessoas diziam ser obrigatórios para os cuidados do bebê”, lembra. Ela ressalta que o casal ganhou muitas roupas usadas de sobrinhos e de amigos. “E passamos tudo adiante para outros bebês à medida que nossos pequenos iam crescendo. Construímos uma bonita rede de trocas. Até hoje me emociono quando vejo filhos de amigos usando coisas que foram dos meus”, afirma a bióloga. A conscientização foi tão marcante para a família que a ‘mentalidade sustentável’ é prioridade para todas as decisões em relação à educação dos filhos.

A bióloga Érika Guimarães e os filhos Théo, de 11 anos, e Nina, de 7 Foto: arquivo pessoal

A busca pela maternidade sustentável, com menos geração de lixo e mais consciência de consumo, tem aumentado no Brasil. E esse movimento impulsiona novos negócios que são criados pelas próprias mulheres que se deparam com a questão, como Laís de Oliveira, que decidiu criar uma empresa de fraldas ecológicas. Quando o pequeno Davi nasceu e começaram as trocas intensas, ela se assustou e teve a ideia: “Fiquei chocada com a quantidade de fraldas! Um lixeiro recolhe, no dia, mais de oito. Vi a quantidade de lixo no meu dia a dia e fui atrás de uma solução para aquilo”, lembra. A empresária, que trabalhava na área de tecnologia, teve uma experiência ruim de compra quando começou a pesquisar sobre produtos ecologicamente corretos. “Vi que existia um produto com grande potencial de transformação, as fraldas ecológicas, mas não era intuitivo. Então, resolvi empreender e a ‘Nós e o Davi’, que é minha empresa, abriu em 2013 pensando em ser mais acessível não só no quesito venda e informação, mas na capacitação dessas famílias”, explica. Laís admite que as fraldas descartáveis são mais fáceis no manejo diário, porém, o custo ambiental é alto. “Não vou mentir, é muito mais fácil descartar e jogar fora, mas a problemática do lixo é muito urgente. A gente precisa parar porque tudo está dentro do nosso planeta. Uma fralda leva 600 anos para degradar, na verdade, a primeira fralda inventada ainda está no planeta e os impactos desse químico estão prejudicando nosso solo, nossos lençóis freáticos”, lamenta.

Laís de Oliveira, proprietária da empresa de fraldas ecológicas 'Nós e o Davi' Foto: arquivo pessoal

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Conheça 9 passos para promover uma maternidade sustentável

Parece impossível praticar a maternidade sustentável diante de tantas demandas que o bebê aparentemente precisa, como fraldas, mamadeiras, chupetas, roupas e todo o tipo de brinquedo - normalmente de plástico. Se você está grávida e não sabe por onde começar, algumas coisas são essenciais, como roupinhas de recém-nascido, de zero a três meses, um carrinho de bebê com moisés ou berço, que podem ser repassados por alguém, uma consultora de amamentação e fazer um bom planejamento alimentar, com comidas saudáveis, orgânicas, e que podem ser congeladas para você consumir quando estiver perto de o bebê nascer ou no puerpério. A reportagem do Estadão preparou um roteiro com nove dicas básicas para você começar a criação dos filhos de forma ecologicamente correta.

Como fazer um enxoval sustentável

As intermináveis listas de chá de bebê das últimas décadas sempre causaram angústia nas mães, sobretudo para aquelas que terão um filho pela primeira vez. É preciso se questionar: esse item é realmente imprescindível? “Compre as roupas conforme a necessidade da criança. Não existe uma regra única do que você tem que comprar. Todas as roupas do meu filho mais velho passam para o mais novo e para o meu sobrinho. Isso também é sustentabilidade”, aconselha Fernanda Floret, do blog Vestida de Mãe. Apostar em produtos de maior qualidade, ou seja, mais duráveis, pode ser uma boa alternativa para descartar menos. Investir em chupetas e mamadeiras inicialmente é desnecessário, pois seu filho pode nem precisar desses itens.

Amamentação exclusiva no seio

Parece óbvio dizer que, se o bebê amamenta exclusivamente no seio da mãe, o plástico da mamadeira não será descartado no meio ambiente, além das embalagens de leite industrializado. A recomendação da Organização Mundial da Saúde é de que toda a criança deve consumir o leite materno até, pelo menos, os seis meses de vida. Porém, muitas mulheres não conseguem amamentar por diversos motivos. Além das questões emocionais, algumas mães não têm informações à respeito do assunto. “A escolha por um nascimento natural e humanizado e amamentação são práticas, a meu ver, ecológicas, sustentáveis, e que, a partir delas, vieram tantas outras na minha experiência de maternidade. Não apenas porque respeitam a fisiologia e ecologia natural da nossa espécie, mas porque também a amamentação reduz muito o consumo de embalagens”, afirma a bióloga Erika Guimarães, que é mãe de Theo, 11, e de Nina, 7, e que mamaram até os dois anos de idade. Em 2020, por exemplo, a campanha da Semana Mundial do Aleitamento Materno (#SMAM) trouxe como tema “Apoie o Aleitamento Materno por um Planeta Saudável”. O tema está alinhado com o ODS 3 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas) que destaca os vínculos entre a amamentação, o meio ambiente e mudança climática.

Sustentabilidade na introdução alimentar

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O conceito de sustentabilidade na introdução alimentar, que ocorre quando o bebê completa seis meses, surge desde a escolha de frutas, verduras e legumes, que podem ser orgânicos, até a produção desses produtos. Você pode privilegiar a compra dos alimentos em uma comunidade local, alguém que planta na própria horta ou provenientes de agricultura familiar. Organizar a rotina de café da manhã, almoço e jantar, além de fazer você economizar e ganhar tempo, trará mais saúde nos primeiros anos de vida da criança e ampliará a consciência de toda a família.

Fraldas ecológicas e lenços umedecidos 100% biodegradáveis

A tecnologia no mundo da higiene pessoal dos bebês foi se aprimorando. Hoje, alguns produtos como fraldas ecológicas não precisam ser esfregados à mão e dispensam o uso excessivo de pomadas contra assaduras. Laís de Oliveira, proprietária da ‘Nós e o Davi’, avalia que é preciso desmistificar que o que existe atualmente não é nada parecido com os materiais de pano usados antigamente para as necessidades das crianças. “Antes você tinha que parar e esfregar. Agora, é botar na máquina e pendurar, assim como a gente faz com as roupas do bebê, na mesma lavagem. Dá mais trabalho para cuidar? Sim, mais do que descartar. Mas o ganho, tanto para a família quanto para o planeta, é muito significativo”, pondera. A empresária observa também um movimento um pouco mais engajado por parte dos homens, que se aproximam mais da paternidade ativa. Para dar conta do recado, é preciso ter mais de uma fralda ecológica. Do ponto de vista sustentável, a continuidade da fralda descartável é uma verdadeira ameaça ambiental. De acordo com o Unicef, somente em 1 de janeiro de 2019, oito mil crianças nasceram no Brasil. Se cada uma utilizasse oito unidades em 24h, seriam jogadas no lixo 64 mil em um único dia. Em um ano, são mais de 23 milhões. Para a higienização, existem lenços umedecidos 100% biodegradáveis e, se o custo for alto, é possível utilizar o bom e velho pano com água morna que, além de ecologicamente correto, não agride a pele do bebê.

Reaproveitar a vestimenta e produtos infantis

Para casais que já têm um filho mais velho, um sobrinho ou amigos com crianças, pegar roupas usadas para o mais novo é prática antiga. Mas, em tempos de mudanças climáticas e aquecimento global, parece imperativo. Existem muitos grupos de trocas nas redes sociais ou brechós virtuais a preços convidativos para os pais e mães. No Facebook, por exemplo, o Desapego de Bebês e o Bazar Infantil Novos e Desapegos. A plataforma digital Ficou Pequeno permite a venda e compra de produtos de crianças em bom estado.

Como escolher bem o brinquedo do seu filho

A indústria de brinquedos infantis é sedutora para crianças e pais. No entanto, na hora do consumo, é difícil fazer uma escolha sustentável e consciente, visto que a maioria dos produtos é feita de plástico. A blogueira Fernanda Floret dá algumas dicas: “Escolher um brinquedo que vai durar muitos anos no lugar daquele que vai virar um lixo rapidamente. Preferir produtos biodegradáveis ou recicláveis, feitos de madeira de reflorestamento, por exemplo. Hoje em dia existem muitas marcas com essa preocupação, de não ter mais tanta embalagem de plástico para os produtos”. Ao mesmo tempo, pensar em produzir os próprios brinquedos em casa, com sucata, na companhia da criançada, é uma boa alternativa, além de promover a aproximação entre pais e filhos.

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Como fazer uma festa de aniversário ecologicamente correta

Nós mencionamos os festejos de chá revelação no início da reportagem. O alerta é o mesmo para as comemorações de aniversário. Você já imaginou quanto lixo é produzido em apenas algumas horas, com todo tipo de enfeite, isopor e bolas de nylon, pratinhos, garfinhos e copinhos de plástico? Sem contar as ‘lembrancinhas’ que, em muitas ocasiões, vão parar direto para a lixeira quando os convidados chegam em casa. Na família de Erika, as comemorações têm o menor consumo possível de plásticos e outros materiais descartáveis. “Todas as festas de aniversário aqui até agora sempre foram realizadas em praças e parques públicos ou em casa. Além de evitar lixo desnecessário, porque aproveitava a louça de casa mesmo, a gente sempre procurou oferecer espaço para as brincadeiras ao ar livre, guiadas pelas próprias crianças e, preferencialmente, em contato com a natureza”, conta a bióloga. Fernanda Floret também teve esse despertar de consciência em 2019. “A gente acaba gerando muito lixo através de tudo o que é descartável e isso me ‘deu um clique’. Quando fui atrás da informação sobre balões de festa infantil, existem os que são biodegradáveis, de látex, que você joga no lixo orgânico mesmo e se decompõem. Os outros não são descartáveis. Imagine os balões da festa do seu filho que vão ficar mais de 500 anos na natureza?”, refletiu. Na hora de servir o bolo, prefira guardanapos de papel, que demoram três meses para se decompor, do que prato e garfo de plástico, que ficarão no planeta por mais de 400 anos. Repense também se é o caso de oferecer lembrancinhas após a festa.

Reciclando o material escolar

Os pais sempre reclamam do alto custo do material escolar no início do ano letivo. No entanto, é possível economizar e ajudar o meio ambiente promovendo a troca de livros didáticos e uniformes entre os alunos. Diversos grupos de pais já fazem isso. Se na instituição onde seu filho estuda ainda não há essa possibilidade, que tal começar você mesmo? Sobre outros utensílios que as crianças usam na escola, é possível reaproveitar lápis e até cadernos do ano anterior. Com as folhas em branco que sobraram, o aluno pode separá-las e confeccionar uma capa personalizada.

Ações sustentáveis de adultos inspiram os pequeninos

O desenvolvimento da criança é promovido pelas interações sociais e, basicamente, pelo modelo parental, principalmente na primeira infância. Por isso, atitudes ecologicamente corretas dos adultos serão passadas para os filhos de forma natural. É o que defende Fernanda Floret: “Não uso mais ‘plástico filme’ para fechar os produtos, mas o tecido com cera de abelha, e não tem mais canudo de plástico. Substituímos o cotonete com haste plástico pelo de papel. Também não pego sacolinhas em qualquer lugar”, conta. A blogueira afirma que é possível pesar as frutas e guardá-las diretamente nas sacolas retornáveis. Ela acrescenta: “Percebi que, desde muito cedo, as crianças aprendem conceitos de sustentabilidade nas escolas e, em algum momento, vão nos cobrar os danos que causamos ao meio ambiente. Em vez de ter que responder sobre isso, prefiro ser o bom exemplo para meus filhos”, conclui. A bióloga Erika Guimarães não tem dúvida de que é possível praticar a maternidade sustentável: “Pequenas mudanças de hábito podem fazer a diferença nas escolhas que a gente faz como cidadão e consumidor. Além disso, essas transformações têm sido muito importantes para a educação dos nossos filhos e para a formação de uma cidadania pelo planeta”.

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