Masp: Conselho do museu se reúne para avaliar crise

Comprado por cerca de R$ 15 milhões e cedido ao Masp, o edifício da Avenida Paulista, 1.510, vizinho ao museu, pode ser devolvido este mês ao doador

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

O Conselho Deliberativo do Museu de Arte de São Paulo (Masp) reúne-se nesta quinta-feira na Paulista em clima sombrio. Os cerca de 60 conselheiros devem avaliar a repercussão das últimas decisões de sua diretoria e também qual é a conveniência de manter à frente da instituição o arquiteto Júlio Neves, de 72 anos, que preside o Masp desde 1994. Haverá eleição este ano, e há um movimento pela renovação da presidência (reeleita seis vezes). Muitos conselheiros estão descontentes. Eles consideram que foram pegos de surpresa pelo surgimento de dívidas do museu e alguns falam em renunciar a suas posições. Em maio, o Masp, que deve cerca de R$ 3,4 milhões para a Eletropaulo (seis anos de contas em atraso), teve a luz cortada. Logo a seguir, precisou pagar às pressas duas contas de água, depois de avisos da Sabesp. Há ainda uma dívida de cerca de R$ 4 milhões com o INSS. Há duas posições entre os conselheiros: uns querem a saída pura e simples de Júlio Neves. Outros defendem que haja uma forma de transição para garantir que Neves saia honrosamente, sem execração. Uma chapa de consenso e um cargo de honra para o atual presidente seriam formas de evitar um racha. O Conselho Deliberativo do Masp é presidido pelo cirurgião Adib Jatene, e tem entre seus membros personalidades como Andrea Calabi, Danilo Miranda, José Aristodemo Pinotti, Pedro Cury, Pedro Piva, José Gregori e Jovelino Mineiro. É uma composição bastante diferente da que levou Júlio Neves à presidência, que tinha alguns nomes ligados ao malufismo e outros distanciados das questões diárias do museu. O Masp é uma entidade privada de utilidade pública e qualquer mudança em sua administração deve ser aprovada pelo conselho. Mas a recondução de um presidente tem um aspecto misterioso: na verdade, é um colégio eleitoral secreto que legitima a eleição. Em entrevista em maio, o arquiteto Júlio Neves diz que a crise dos museus brasileiros é generalizada, e não é uma exclusividade do Masp. Ele diz que é preciso entender as novas formas de atuação do museu dentro de uma nova circunstância museológica. "Há dez anos, você tinha na cidade de São Paulo apenas um museu com condições de realizar uma mostra como esta do Degas. Hoje, há mais de 30 espaços no País capazes, 10 em São Paulo. As empresas, que antes patrocinavam as mostras do Masp, hoje têm seus próprios institutos culturais", disse. Masp pode perder torre da Paulista Comprado por cerca de R$ 15 milhões e cedido ao Masp, o edifício da Avenida Paulista, 1.510, vizinho ao museu, pode ser devolvido este mês ao doador. A cessão do edifício ao museu estava condicionada, em contrato, à aprovação do projeto que criaria um mirante, uma torre de 125 metros na Paulista. Mas todas as tentativas de aprovar o projeto foram rejeitadas pelos órgãos do patrimônio, em especial o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), da Prefeitura de São Paulo. Quem comprou o prédio e o deu ao Masp foi a companhia de telefonia Vivo. O contrato de cessão ainda estipulava que a Vivo daria ao museu cerca de R$ 7 milhões para a reforma do edifício. Mas tudo deveria estar concretizado até este mês, segundo o termo - caso contrário, o prédio seria retomado ou o Masp pagaria seu custo. O Masp fracassou continuamente na tentativa de aprovar seu plano - foi rejeitado pelo Conpresp nas gestões de Marta Suplicy (PT) e José Serra (PSDB), e não há o menor aceno da parte do atual prefeito, Gilberto Kassab (PFL), de que o projeto venha a ser aprovado a toque de caixa. Há diversos motivos para a rejeição à idéia do projeto. A primeira é de natureza conservacional - a torre, como foi projetada inicialmente pelo próprio presidente do Masp, o arquiteto Júlio Neves, previa a instalação de uma torre metálica de 70 metros acima do edifício preexistente e foi considerada uma ameaça à unidade cultural, histórica, arquitetônica e urbanística da Avenida Paulista. Além do mais, o entorno do Masp, cerca de 300 metros ao redor do museu, é tombado e toda obra ali tem de ser feita de forma a não descaracterizar o prédio do museu. Considerou-se que ela interferia na visibilidade do museu. O prédio reformado, segundo o plano do Masp, serviria para abrigar uma extensão da faculdade da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). A Faap demonstrou interesse. A instituição tenta, desde 2000, ampliar suas instalações no Pacaembu, mas os órgãos do patrimônio histórico não permitem - o bairro é tombado e há 8 casas das décadas de 40 e 50 na área, que deveriam ser demolidas para a ampliação. No alto da torre, haveria um mirante, com um café (uma das empresas que se dispôs a ocupar o espaço do café foi a Nestlé). A demora na resolução do problema com o patrimônio histórico e as dificuldades cada vez maiores da administração do museu foram esfriando os projetos. Gestão problemática Após 12 anos à frente do Masp, o arquiteto Júlio Neves coleciona problemas. É inegável sua maior conquista, a ampliação da reserva técnica do museu, que ampliou o espaço para guardar obras em ambiente climatizado e hoje permite receber obras de toda natureza e de todo lugar do mundo em quantidade. Mas o maior problema é a centralização das decisões. É impensável, em qualquer lugar do mundo, um museu sem uma curadoria artística (Neves concentra as decisões sobre isso). Mas há também uma fuga de profissionais da área técnica do museu, contrariados com os problemas salariais e a falta de apoio ao seu trabalho. A conseqüência imediata disso é a falta de transparência. Hoje, para saber qual é a agenda de exposições para 2006 e 2007, só perguntando ao presidente do museu. Ninguém mais sabe. "Isso é muito pior do que estar devendo. O projeto econômico de um museu tem de estar subordinado a um projeto curatorial. Portanto, como pólo cultural, o Masp está morto", diz um funcionário da área técnica, que prefere não se identificar. Outra complicação é a falta de credibilidade. A última captação de recursos incentivados razoável que o museu conseguiu foi para o projeto de reforma da Galeria Prestes Maia, cerca de R$ 5 milhões, há dois anos. Hoje, para continuar apoiando o museu, as secretarias e o Ministério da Cultura pedem a democratização de suas decisões. Confira a cronologia da crise do Masp 1994: Museu, já com problemas de receitas, deixa de requerer verba da empresa americana AT&T, que o tinha selecionado para receber US$ 50 mil. A direção só precisava buscar o dinheiro 1995: Museu anuncia intenção de instalar um painel eletrônico de 108 m2 no topo da coluna próxima ao espelho d?água, para ganhar dinheiro com anunciantes. Patrimônio histórico rejeita proposta 1996: Masp anuncia que passaria a recolher recursos junto à iniciativa privada para uma filial na Galeria Prestes Maia. Os recursos até hoje não foram integralmente captados 1997: Depois de longa disputa, que chegou aos tribunais, os conselheiros do museu reelegem o arquiteto Júlio Neves por 22 votos a 21 - o adversário era o bibliófilo José Mindlin, eleito recentemente para a Academia Brasileira de Letras. Mindlin se retira do museu. 1997: O conservador-chefe do museu, Luiz Marques, um dos mais respeitados especialistas em arte do País, deixa o Masp. Luis Hossaka assume, mas função é exercida na verdade pelo presidente da instituição 1998: Intelectuais de todo o País atacam o plano de reforma do Masp, que Neves leva a cabo. Segundo os críticos, reforma estaria descaracterizando o projeto original arquitetônico de Lina Bo Bardi. A reforma é concluída em 2001 2003: Público visitante do museu continua caindo. Foram 850 mil visitantes em 1997, ante 215 mil em 2003 2004: Por conta de dívida ativa com o INSS, que questiona na Justiça, museu se vê obrigado a penhorar uma de suas obras, avaliada em R$ 4,29 milhões 2005: Museu ganha o prédio vizinho da Avenida Paulista, comprado pela companhia de telefonia Vivo. Tenta construir um mirante no local e locar o restante do prédio, para angariar recursos, mas Patrimônio Histórico veta o projeto, considerado agressivo à paisagem urbana 2006: Por conta de uma dívida de mais de R$ 3 milhões com a AES Eletropaulo, correspondente a cerca de 6 anos de contas atrasadas, museu tem a energia elétrica cortada em 23 de maio. Eletropaulo também informa que houve irregularidade no consumo de energia, resultando num desvio de R$ 414 mil

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.