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Mars para maiores

O soul man da geração Crepúsculo dá adeus ao eleitorado teen em novo disco

Por Roberto Nascimento
Atualização:

Emplacar um Justin Bieber do soul foi a meta de Doo-Wops and Hooligans, o popular cartão de visita de Bruno Mars, de 2010. Embora nove anos mais velho que o fenômeno teen, o jovem crooner caiu nas graças das debutantes e tornou-se um soul man para a geração Crepúsculo: voz cheia de alma, arranjos de Motown, chapeuzinho de gângster e um bom-mocismo palatável para fãs de 14 anos ("eu agarraria uma granada por você", canta, em seu hit Granade). Amparado pelo grupo de compositores The Smeezingtons, seu Holland-Dozier-Holland pessoal (responsável pela composição de Forget You, de Cee Lo Green), Mars decolou nas paradas, ganhou respeito da máquina e controle sobre a direção de seu novo disco, Unorthodox Jukebox, que chega às lojas, hoje, pela Warner. "Fui para o estúdio, compus e gravei o que quis. Esse disco representa a minha liberdade", contou Bruno à revista Billboard deste mês. Para se garantir, Mars conseguiu um investimento pesado. Contratou Jeff Bhasker, homem por trás de hits de Kanye West, Beyoncé e fun. Paul Epworth, compositor de Rolling in the Deep, de Adele, e Mark Ronson, responsável por discos de Amy Winehouse e Macy Gray, entre outras cantoras de soul retrô. O resultado é uma consistente meia hora de pop com ecos de soul, reggae e rock, que reflete o amadurecimento de Mars como pop star, e um certo descompromisso com o público jovem tão cortejado em Doo-Wops and Hooligans. "Tenho uma garrafa cheia de uísque, com um teco de cocaína e estou me sentindo como se tivesse 20 metros de altura. Então deite aí, deite aí", canta em Gorilla, canção sobre "sexo animalesco", nas palavras do cantor à Rolling Stone. Money Make Her Smile, sobre uma stripper, é o resultado de uma noite passada com o produtor Diplo em uma boate, em Paris. When I Was Your Man destila dor de cotovelo, refletindo sobre todas as coisas que poderiam ter sido feitas por uma mulher, mas não foram, e agora são realizadas por outro homem. Para completar, "Vocês, jovens garotas, me deixam louco... Vocês serão a minha morte... Eu sempre voltarei para vocês", canta Bruno Mars, sobre acordes melancólicos, na faixa-título, Young Girls, como se estivesse se despedindo de suas inocentes tietes. A alforria do galã teen é um passo previsível, mas eficaz para Mars: o lado bad boy que aflora está longe de ser radical, e deve ter passado tranquilamente no departamento de censura da Warner. Mas tece uma narrativa consistente e cai bem com o tipo de pop maduro, feito tanto para jovens adultos quanto para a plateia de meia-idade de Adele ou Amy Winehouse, por exemplo. Trata-se do público que ainda compra discos. E a produção de Unorthodox Jukebox soará familiar para ouvidos acostumados com pop de FM dos anos 1980. Locked Out of Heaven, o single do disco, tem um arranjo nos moldes de Roxanne, do Police, que envereda por um refrão de rock de arena, com palmas e melodia grandiosa. Gorilla ganha uma base eletrônica semelhante a Sign o' the Times, de Prince. Treasure é um quase plágio do hit Your Wish Is My Command, do produtor Breakbot, especialista pop com verniz de disco music. Show Me, é dub reggae genérico, com todos os artifícios usados no gênero. Mas, desde Doo-Wops and Hooligans, a herança mais cobiçada por Bruno Mars é a voz de Michael Jackson. Trata-se do alicerce de seu talento vocal. E o discípulo imbui melodias com o mesmo drama, arrisca gritinhos e, vez ou outra, um soluço semelhantes aos do Rei do Pop. O resultado é respeitável. Mars está longe de ser um plágio, e as boas faixas de Unorthodox Jukebox ganham verve com a referência. Mas sua voz não tem a ressonância e elasticidade de Michael nos agudos. Portanto, um respeito com a própria identidade talvez o servisse melhor, pois cantar como Michael Jackson não corresponde ao porte físico, baixinho e troncudo de Mars. Tanta reverência parece ser esforço demasiado e poderia ser resolvida com personalidade.

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