Markus Popp fala sobre a carreira

Em entrevista, o integrante do grupo Oval conversa sobre a ética orgânica de sua produção digital

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Por ROBERTO NASCIMENTO - O Estado de S.Paulo
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O compositor alemão Markus Popp tem o dedo no desenvolvimento da música eletrônica da última década, pela sua contribuição à estética do "glitch", o ruído digital alcançado pela manipulação de fragmentos de música. Popp, que toca no MIS, como parte da programação da 30.ª Bienal, e na festa Voodoohop, na semana que vem, conversou com o Estado sobre tecnologia, música e o processo criativo nos tempos modernos. Um dos trunfos do Oval é sua influência em nichos de música eletrônica, produzida por laptops, no início dos anos 2000. No entanto, seu novo disco, O, tem uma estética orgânica, com instrumentos tocados ao vivo e sem a sua característica distorção de samples. É uma guinada considerável para um artista tão envolvido com tecnologia, não acha? Certamente. Foi essa a minha intenção desde que comecei a desenvolver o trabalho: criar música que tivesse uma diretriz natural, diferente das coisas que já fiz. Foi muito difícil para mim, como largar um hábito vitalício. Por isso levou entre 7 e 8 anos para fazer o meu novo disco. Há pessoas que elogiam, que dizem que a soma de todas as partes tem a sensação de jazz ao vivo. Isso me deixa feliz. Quais são as ferramentas na criação de um trabalho como O? Esta é a mágica, o ilusionismo do músico. Queremos deixar as pessoas sempre instigadas, se perguntando se a música está sendo tocada ou programada no computador. A música nunca é sobre como ela está sendo feita, mas como soa. Eu uso o Ableton (popular software de criação musical) nos meus shows ao vivo, com sequenciamento básico. Mas no fim das contas, uso a minha imaginação. E chegar a um ponto em que você pode dizer 'eu uso a minha imaginação' é uma nobre meta para um artista.Tendo trabalhado tanto com desenvolvimento de softwares, e tendo uma música tão atrelada ao desenvolvimento tecnológico, você viu algum limite na criação através do computador que o fez mudar? Não. Você pode fazer o mesmo ponto ao contrário. Computadores e softwares nos dão mais possibilidades, mais poder. Agora sabemos que qualquer tipo de paradigma musical está lá em seu desktop. Softwares têm limites até um certo ponto, mas há muita música a ser feita com softwares. O computador não deixou de ser uma ferramenta minha, apenas a estética que uso mudou. Mas pensando em música orgânica, não é mais fácil apenas gravar um disco ao vivo, com instrumentos reais, do que trabalhar com recortes e loops para chegar ao mesmo efeito? Não vejo problema nenhum nos loops porque não me preocupo com eles. Tudo o que faço é rigorosamente concebido antes de encostar no computador. Não sou um cara que sabe improvisar, que cria na medida em que as coisas acontecem. Por outro lado, a minha forma de compor é muito deliberada. Eu não acho que um software possa impor nenhuma limitação. Ele me apresenta opções que eu nunca achei serem possíveis. Esse lado é muito mais interessante. E como este conceito ao vivo se aplica a um disco de 70 faixas, cada uma com um minuto e meio, em média, de duração? As faixas são como polaroides, composições que foram gravadas ao vivo, com muito ensaio, direção de palco, e tudo mais. A gravação é uma foto. Você tira e fica com ela, então queria esta coisa prolífica e automática de fotos hoje em dia. Eu faço música e passo o meu tempo praticando, uma vez que eu a termino, não processo as faixas. É apenas eu e a música. Não há mais recortes. No começo dos anos 2000 eu fiz muito desse processamento. Foi um enorme esforço high tech. Não quero voltar para isso. Gastei muito tempo processando fragmentos minúsculos de música, criando múltiplas permutações até perceber que eu vou editar apenas uma versão delas, e as outras serão descartadas. Você está em turnê pela América Latina. Qual é o itinerário? São três dias em cada cidade. Bogotá, Caracas, Buenos Aires estão na agenda. Colaboro com cantoras locais. Em geral, cantoras populares. Em Salvador, fizemos uma apresentação com uma cantora lírica, o que foi exceção. Em São Paulo vou tocar com Dandara (cantora revelada pelo Prêmio Musique do Estado). Devo lançar isso mais para a frente. E como é a música que faz com as cantoras? Algo semelhante às produções do disco? A música é não eletrônica, as coisas que eu tenho feito hoje, em dia. O resultado é mais do que o resultado de todas as partes. As cantoras estão convidadas a participarem dos workshops. Que tipo de coisas ensina nos seus workshops? O que posso ensinar é o meu approach, minha atitude em particular perante todas essas estratégias na minha carreira, desde quando fiz o meu próprio software para conseguir produzir o tipo de som que estava procurando. Hoje, tivemos cantoras líricas e músicos de samba. Cada um tinha uma pergunta diferente para fazer.

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