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Mariannita Luzzati enfrenta o desafio da cor

Trabalhos que a artista expõe em São Paulo, na Galeria Thomas Cohn, revelam sua tentativa de conciliar cores aparentemente opostas e perigosas

Por Agencia Estado
Atualização:

É comum que obras com referências narrativas, mesmo que sutis como as figuras humanas ou os sóis negros que povoam as telas que Mariannita Luzzati, nos levem a devanear em busca de histórias e emoções, nos remetam diretamente a uma imagem e a um sentimento. E, no entanto, os trabalhos que a artista apresenta na Galeria Thomas Cohn insistem em permanencer indecifráveis, ou melhor, invioláveis. As cores gritantes provocam o espectador, intrigam seu olhar, mas não podem mais ser consideradas como paisagens imaginárias e afetivas, como as que a artista exibiu nas suas últimas exposições paulistanas, em 1997 e 2000. Com um certo prazer matreiro, de quem gosta de se colocar desafios, Mariannita brinca que o que fez foi puxar seu próprio tapete. A cada tela a idéia de narrativa e o tema da paisagem (vinculada diretamente à tradição no gênero desenvolvida na Inglaterra, país onde a artista vive há dez anos) foi perdendo terreno para uma tentativa de conciliar cores aparentemente opostas e perigosas. O caráter mais lúgubre e um tanto melancólico presente em suas telas anteriores foi deixado de lado, assim como a bruma que parecia recobrir suas telas. Mas o mais interessante dessa mostra é que, em vez de mostrar apenas a conclusão desse processo de desafio e depuração, ela expõe todo o processo. Das telas iniciais, como Noite Alta (que também dá o título da exposição) e Lucy e Luiz, até as telas mais abstratas, habitadas apenas por um círculo escuro que funciona como uma espécie de buraco negro que reforça ainda mais o contraste entre as cores cítricas associadas pela artista, temos um percurso rápido e interessante que nos leva da figuração à abstração, da paisagem rebaixada a uma paixão declarada pelo grito da cor. São dois grupos de trabalhos bem divididos, mas em todos há como fio condutor a imagem do círculo negro, que nasceu como retratos da lua que a artista fez da janela de sua casa (ela costuma partir de fotos para realizar suas pinturas) e acabou transformando-se numa alusão à antimatéria, à ausência da cor que acaba por reforçar o festival cromático ao seu redor. Essas vibrações remetem, como diz Agnaldo Farias, a ressonâncias tonais. "O círculo preto atua como uma lua ou um sol negro, em ambos os casos, um antípoda terrível dos astros portadores da luz que nos serve de energia vital", escreve ele no catálogo da mostra. A artista conta que muitas vezes teve de retirar-se do ateliê por não conseguir conviver com as cores estridentes que elegeu, como o laranja semelhante ao usado por lojas de fast-food com o objetivo explícito de expulsar os mais acomodados e garantir a alta rotatividade e os lucros crescentes. Outro aspecto que a interessou nesse mergulho cromático, descoberto na obra Cromofobia, de um escritor inglês, é a incapacidade que os ocidentais têm de lidar com essas oposições tão gritantes, que se contrapõem a uma liberdade bem maior por parte das culturas orientais. O caminho de Mariannita é bastante curioso. Aluna de três importantes mestres contemporâneos brasileiros - Carmela Gross, Carlos Fajardo e Evandro Carlos Jardim -, de quem diz ter herdado uma "certa maneira de pensar a arte", ela se encontrou foi na pintura. Para fazê-la, parte de elementos outros, como a fotografia, mas tem um verdadeiro fascínio pelo processo de construção do campo pictórico. Aliás, é interessante notar nas suas telas como ela consegue criar uma verdadeira ondulação ao aplicar dezenas de camadas de tinta, criando uma noção de profundidade apenas com as frestras que deixa abertas entre os vários campos de cor. Ela já experimentou outras linguagens e caminhos, como o vídeo, a fotografia e a gravura. Mas retorna sempre à pintura, como numa espécie de necessidade, compartilhada com vários artistas de sua geração, que não se deixaram iludir pela falsa idéia de sua morte. Aliás, mais uma prova de como são vastos os caminhos da - boa - pintura contemporânea é a mostra de Maria Tereza Louro, que pode ser vista na Galeria Nara Roesler, vizinha ao espaço ocupado pelas telas de Mariannita. Mariannita Luzzati. De terça a sábado, das 11 às 19 horas. Galeria Thomas Cohn. Avenida Europa, 641, São Paulo, tel. 3083-3355. Até 19/10.

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