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Maria Bethânia abre Festa Literária Internacional de Paraty

Cantora, que abre o encontro na cidade histórica, conversou com o Estado sobre o homenageado da quarta ediçãp da Flip, Jorge Amado

Por Agencia Estado
Atualização:

A festa começa nesta quarta-feira, com uma homenagem a Jorge Amado (1912- 2001), que na quinta-feira completaria 94 anos, e prossegue até domingo, quando alguns dos 37 escritores convidados vão revelar qual é seu livro de cabeceira preferido. Durante cinco dias, a 4.ª Festa Literária Internacional de Paraty vai promover um encontro heterodoxo entre autores que diferem no estilo e na crença política, desde esquerdistas (Tariq Ali, Olivier Rolin) até ganhadores do Nobel (Toni Morrison), passando por queridinhos da crítica (Jonathan Safran Foer) e candidatos a cult (o indiano Benjamin Zephaniah, o angolano Ondjaki, e o nigeriano Uzodinma Iweala). Benjamin será apresentado pela organizadora do evento, Liz Calder, enquanto os africanos Ondjaki e Iweala participam da mesa "África, Áfricas", trazendo um olhar jovem sobre seu país. Tudo isso, sem esquecer os brasileiros (Ignácio de Loyola Brandão, Ferreira Gullar, Adélia Prado). Alguns desfalques são ainda sentidos, como Carlos Heitor Cony e o argentino Ricardo Piglia, ambos por problemas médicos. Mas a bem traçada colcha de retalhos que marca habitualmente a Flip se repete neste ano. Sob a coordenação editorial de Ruth Lanna, a programação traz um acentuado tom político, novamente propício para o momento. Uma das mesas que prometem boa dose de emoção, por exemplo, está programada para a manhã de sábado, entre o poeta Ferreira Gullar (que vai lançar uma edição comemorativa de 30 anos de publicação de "Poema Sujo", inclusive com um CD) e o palestino Mourid Barghouti, autor de "Eu Vi Ramallah". Ambos viveram longe de sua terra natal e souberam fazer da experiência do tempo passado, do banimento e do risco da perda das raízes matéria viva de seu texto. Também a linha tênue que muitas vezes separa a literatura do jornalismo vai inspirar mesas reunindo nomes que transitam com desenvoltura nos dois gêneros, como Lilian Ross e Philip Gourevith em um encontro, e Christopher Hitchens e Fernando Gabeira em outro. Com discussões sobre temas para todos os gostos, a Flip deve atrair a Paraty mais de 10 mil turistas. E a festa vai chegar também àqueles que não têm ingresso por meio de um telão instalado na praça principal, graças ao patrocínio (estimado em R$ 3,8 milhões) do Unibanco e da TIM, que também bancam o show de abertura nesta quarta-feira com Maria Bethânia, que conversou com o Estado sobre a homenagem a Jorge Amado. Qual a sua relação com a obra de Jorge Amado? Nós, na Bahia da minha geração, todos estudamos em escolas públicas extraordinárias, onde nos ensinaram literatura e tivemos a sorte dos meus primeiros contatos com a obra de Jorge. É lógico que, morando em Santo Amaro da Purificação, tivemos um acesso muito maior a peças estreadas em cima de personagens dos livros do Jorge - como ele sempre registrou a Bahia de uma maneira exuberante, muito própria, forte, a gente vinha, através do Jorge, descobrindo a Bahia. Mais tarde, vim a conhecê-lo e Jorge comigo sempre foi muito amoroso, tanto que, na festa de seus 80 anos, fui a cantora que ele escolheu para homenageá-lo. Li tudo que pude de sua obra porque sempre me trouxe uma Bahia muito rica, muito jangadeira, muito como eu gosto. A Bahia é muito cheiro, muita sensualidade. E o livro que me cegou de primeira, "A Morte e a Morte de Quincas Berro d´Água", é, ao mesmo tempo, simples e divertido. Uma obra plena de musicalidade. Sim, a maneira como ele construía suas frases tem um pouco de swing, de jogada de roda, de capoeira. Afinal, o Brasil é muito musical e a Bahia exagera um pouquinho (risos). É verdade, os personagens da obra de Jorge Amado inspiram ainda muitos músicos. E também pessoas que trabalham no cinema, na televisão, no teatro, todos passam pelas figuras criadas por Jorge, que deixou uma trilha, algo que vem embutido, mesmo quando não se homenageia exclusivamente algum personagem. Caetano compôs para "Tenda dos Milagres", e eu tive uma participação na novela "Gabriela", "Coração Ateu", de Suely Costa, tema da personagem de Elizabeth Savalla, que eu adorava. Na verdade, o primeiro trabalho que fiz foi cantando para um curta-metragem de Álvaro Guimarães, chamado "Moleques de Rua". Era inspirado em "Capitães de Areia" e Caetano fez a trilha sonora. O que você vai cantar em Paraty? Como não posso inventar um show de uma 1h40 de duração da noite para o dia, farei algo menor, mas sofisticado do meu show "Tempo Tempo Tempo". Estou felicíssima de participar de uma feira literária, porque gosto muito da palavra. Vou cantar "É Doce Morrer no Mar", "Canção do Marinheiro", "Coração Ateu", e também vou ler trechos de "Bahia de Todos os Santos" e de "Mar Morto". Coisas pequenas, mas importantes. Passados cinco anos da morte de Jorge Amado, sua obra continua despertando paixões, não? Ele foi um autor que levou pelo mundo inteiro a nossa história, o nosso conhecimento, alguma coisa do Brasil que não fossem os horrores. De uma maneira luminosa, falando dos horrores, mas com muita luz. E, como Caymmi teve de falar do mar, Jorge teve de falar da gente.

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