Maria Alice Vergueiro volta aos palcos com Brecht, o velho aliado

Depois de ausência de cinco anos, atriz encarna a personagem-título de Mãe Coragem, com direção de Sérgio Ferrara

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Por Agencia Estado
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Na estréia da peça Mãe Coragem e Seus Filhos, no último Festival de Teatro de Curitiba, a atriz Maria Alice Vergueiro caiu na cena final, quando deveria, sozinha, puxar uma carroça para acompanhar a marcha de um exército de desvalidos. Na queda, deslocou a clavícula direita e precisou de auxílio para se levantar. Quando as cortinas se abriram, a atriz estava em pé, no centro do palco, recebendo os aplausos com o rosto contraído. Naquele momento ela dava a prova definitiva de que havia incorporado a principal marca da personagem que interpretava: o poder de engolir a dor e seguir adiante. Mãe Coragem e Seus Filhos, escrita em 1939 pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht, entra em cartaz nesta quarta-feira em São Paulo, no Teatro Sesc Anchieta, depois de ter excursionado por várias cidades do interior paulista. Ambientada na Europa do século 17, durante a Guerra dos Trinta Anos, Mãe Coragem mostra a determinação de uma vendedora ambulante (Anna Fierling, a Mãe Coragem) em seguir com sua carroça o deslocamento dos regimentos, a quem vende sapatos, cintos e outras quinquilharias que lhe caem à mão. É assim que aprendeu a sustentar a si própria e aos três filhos que a acompanham. Dirigida por Sérgio Ferrara, a montagem marca a volta de Maria Alice Vergueiro, 66 anos, aos palcos paulistanos, de onde estava afastada desde 97, quando recebeu os prêmios Shell e Mambembe de melhor atriz por sua atuação irrepreensível em No Alvo, do escritor austríaco Thomas Bernhard. Mas Mãe Coragem marca, acima de tudo, o reencontro entre uma atriz na maturidade e seu dramaturgo predileto. De Brecht Maria Alice já fez, somente para ficar em alguns títulos, Ópera dos Três Vinténs, Vida de Galileu, Dama Indigna, Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny, além de ter cedido a voz para dezenas de canções escritas pelo alemão. "Sinto o Brecht como um aliado", disse a atriz antes de repassar algumas cenas do espetáculo. "É como se ele estivesse sentado na platéia, gostando do que estou fazendo aqui no palco". Agência Estado A imprensa está dizendo que você é a própria Mãe Coragem. Até que ponto você se identifica com esta personagem? Maria Alice Vergueiro - Ela é uma mulher que vive algumas contradições. É extremamente ligada aos filhos, mas ao mesmo tempo quer ter vida própria. E enfrenta muitos problemas de dinheiro, a ponto de transmitir ao público a idéia de que o dinheiro pode valer mais que os filhos. Na minha vida, eu sou distante desta personagem. Eu nunca tive problemas com dinheiro. Não diria que fui uma mulher rica, mas privilegiada eu fui. Não enfrentei este dilema de querer segurar meus filhos. Eu sempre dei muito valor a minha liberdade, de maneira que quis libertá-los desde cedo. Gostar possessivamente de alguém é um grande problema que a humanidade ainda não soube resolver. Nesta montagem, você está novamente cercada por um elenco e um diretor jovens. Você sempre preferiu trabalhar com artistas mais novos? Procuro manter uma relação de igualdade com os jovens, mas não acho que basta ser jovem para ser interessante. Não quero assumir nenhum papel maternal, mas tenho dificuldade em encontrar, entre os atores da minha geração, quem fale a mesma língua que eu. Você diria que existe alguma diferença entre esta montagem de ´Mãe Coragem´ e as anteriores? Esta nossa leitura tem muito humor, duvido que outras montagens tenham se aproveitado do humor que este texto oferece. Não cheguei a ver Lélia Abramo fazendo este papel, em 1960. De uma maneira muito particular, Brecht parecia não se levar muito a sério, embora se levasse. Sérgio Ferrara agora deu uma linha de interpretação sem compromisso político. A montagem não tem o ranço didático de querer converter a platéia. Você é uma atriz muito respeitada, embora seja dona de uma carreira irregular. Eu diria que não tenho uma carreira. Estou há 40 anos nos palcos, mas sempre com interrupções enormes. Fazia uma peça, ficava quatro anos sem fazer nada. Mas o teatro sempre me salvou em vários momentos da minha vida. Para mim, ele vale mais que psicanálise. O que fica é o momento histórico. O Rei da Vela, do Zé Celso, e No Alvo são espetáculos que marcaram minha vida. Por que sua participação na televisão foi sempre tão pequena? Eu entrei na Globo pelas mãos do Silvio de Abreu, que criou um papel para mim na novela Sassaricando. Aceitei para ter uma aprendizagem, me mudei para o Rio. Não era o meu mundo, mas eu queria ver. O veículo é fantástico, mas eu não quero me submeter a este tipo de relação de trabalho. O teatro é onde eu me expresso melhor. Serviço: Mãe Coragem e Seus Filhos, de Bertolt Brecht, no Teatro Sesc Anchieta (Rua Doutor Vila Nova, 245, tel.: 3256-2281). Quinta a sábado, às 21h; domingo às 19h. Ingressos: de R$ 10 a R$ 30. Estréia nesta quarta-feira para convidados.

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