Márcio Marciano traz cena épica da paraíba

Ex-cia. do Latão, diretor mostra espetáculos de seu novo grupo, Alfenim

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Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

 

 

Estrangeiro.

Márcio Marciano volta a São Paulo com peças de teor histórico

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Muita coisa mudou na vida de Márcio Marciano. Nos últimos quatro anos, o diretor viu tudo, ou quase tudo, sair do lugar. Deixou São Paulo, transferiu-se para João Pessoa, e largou, depois de dez anos, o lugar que ocupava à frente da Companhia do Latão, um dos mais celebrados coletivos do País. Pouca coisa mudou no teatro de Márcio Marciano. Nesse tempo em que passou no Nordeste, ele tratou de encontrar e se aproximar dos seus pares. Por lá, criou um grupo próprio, o Alfenim, e permaneceu a caminhar pelo território onde se sente mais à vontade: uma dramaturgia filiada à Bertolt Brecht e ao seu olhar épico. As semelhanças podem ser atestadas por quem for até a Funarte assistir a Milagre Brasileiro e a Quebra-Quilos, os dois espetáculos de sua nova safra que o encenador e dramaturgo apresenta na capital paulista até agosto. Na construção das peças, Marciano valeu-se dos mesmos métodos que utilizava no Latão: trabalhou em conjunto com os atores, incitou-os a trazer cenas e situações à sala de ensaio e, só depois, entregou-se à tarefa de alinhavar tudo em um texto. Outro traço da antiga cia. a ser mantido foi a devoção a questões históricas e políticas, que merecem relevo nas duas montagens do Alfenim. Quebra-Quilos, peça de estreia da trupe, descortina uma espontânea revolução popular que começou na Paraíba e se espraiou por Pernambuco e pelo Rio Grande do Norte. Obscuro e pouco conhecido, o episódio antecedeu a revolta de Antônio Conselheiro, mas, assim como no caso de Canudos, teve seus integrantes dizimados pelas forças do governo. "É um assunto banido da história oficial. Pareceu um tema oportuno para introduzir a criação por meio do processo colaborativo, que ainda era algo incipiente por lá", comenta Marciano, que enxerga no espetáculo uma estrutura semelhante à das primeiras produções do Latão, como Santa Joana dos Matadouros. Já no trabalho seguinte, Milagre Brasileiro, as luzes recaem sobre um momento mais recente da história do País, o regime militar, e o diretor diz ter alcançado fôlego para se exercitar em uma proposta menos tributária da dramaturgia épica clássica. "Senti que havia espaço para uma pegada mais radicalizada." Sem personagens ou um enredo linear, ele alça a primeiro plano a figura do desaparecido político e abre mão da cena realista. "O realismo me levaria inevitavelmente a cair no melodrama." Fora do eixo. Durante os próximos dois meses, Marciano vai morar em um hotel nos Campos Elísios, na mesma rua em que fica a sede da Funarte. Conta que só teve uma semana para preparar a "mudança" e pontua as inúmeras, e aparentemente inesgotáveis, dificuldades de se fazer teatro fora do eixo Rio-São Paulo. A certa altura da conversa, parece inevitável perguntar-lhe por quê. Por que largar tudo e aventurar-se em João Pessoa? Ele explica que a decisão teve muito a ver com a mulher, a atriz Paula Coelho, que se tornou professora da Universidade Federal da Paraíba. Invoca a filha pequena, que poderá então crescer em uma cidade menor e mais amena. E também fala da relação de proximidade com o Piollin, grupo responsável pelo já clássico Vau da Sarapalha, que se tornou um símbolo do teatro nordestino das últimas décadas. "A presença deles me mostrava que havia possibilidade de interlocução, que não iria ficar isolado." Foi justamente ao lado do Piollin que ele criou a Lapada, uma rede que une e promove a circulação de companhias do Nordeste do País, como o Clowns de Shakespeare, do Rio Grande do Norte, o Bagaceira, do Ceará, e o Coletivo Angu, de Pernambuco. "Já promovemos encontros com mais de 40 grupos. É o nosso jeito de romper o cerco. Tivemos que inventar uma forma alternativa de sair do isolamento."

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