Marcelo Fonseca encena farsa dos "homens notáveis"

Com um elenco de primeira linha, mas ainda sem patrocínio fechado, Todos os Homens Notáveis denuncia o jogo e a corrupção na política e na mídia

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Por Agencia Estado
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Quando dirigiu Anjos de Guarda, do dramaturgo brasileiro Zeno Wilde, no ano passado, o diretor Marcelo Fonseca disse em entrevista ao Estado: "Estou cansado de muita estética para pouca ética." Este ano, resolveu transformar o desabafo em ação. Escreveu um texto farsesco, um "tragideboche irresponsável", segundo ele, para denunciar pelo riso e o exagero a situação de negligência moral perpetrada pelo homem brasileiro na política, nas comunicações e nas relações sociais. Sem um centavo para produzir sua primeira peça escrita, angariou, no entanto, a adesão de um time de atores de primeira linha no cenário nacional, que participou da primeira leitura no mês passado: Jairo Mattos, Pascoal da Conceição, Luís Damasceno, Marat Descartes, Gustavo Machado e Erick Nowinski, entre outros protagonistas, mais um coro de 15 atores. A farsa de Fonseca, de 31 anos, não concede em momento algum ser boazinha com a sociedade em que se vive. Todos os Homens Notáveis alude ao jogo político e da manipulação dos fatos pela mídia no dia-a-dia do País. Ibope, poder, falcatruas, marketing, corrupção, muito sexo e drogas estão presentes no texto. A trama percorre a trajetória de Conrado Reis (Jairo Mattos), dono de uma emissora de TV, que tem enorme dom para a corrupção e acaba por se candidatar a governador de seu Estado. Seu melhor amigo, braço direito, é Olavo Silvestre (Luis Damasceno), dono do maior jornal do País, que o ajudará na empreitada. Tavinho Costa (Pascoal da Conceição), um marqueteiro mercenário e inescrupuloso, é quem organizará a campanha de Conrado. Eleito, o magnata esbalda-se em colecionar fraudes, sob a guarda do amigo Olavo e de um sistema propício. O ápice das ações insanas é a campanha formulada para "reconduzir" todos os nordestinos migrantes do Estado de São Paulo para sua região de origem. Paralelamente, Conrado aprisiona sua amante Nadine (Maíra Leme), uma garota de programa, por sua vez apaixonada por um honesto e ingênuo jornalista, Lucio (Marat Descartes), empregado na editoria de política. Ciente do jogo sujo que permeia sua vida e garante seu salário, Lucio, numa espécie de curva rodriguiana, comete uma loucura, expondo sua força moral malcasada à sua fragilidade psíquica. "Essa peça nos coloca numa situação parecida com as dos bobos das cortes, que representavam o espelho dos reis e das rainhas para eles próprios. Os notáveis gostam de ser ver em cena, mesmo quando o espelhamento é crítico; trata-se de um tête-à-tête consentido", diz o experiente ator Pascoal da Conceição, para quem o texto de Fonseca remete à grande peça sacrílega da década de 20, no Brasil: O Rei da Vela, do modernista Oswald de Andrade. "À primeira vista, a peça surge como uma grande caricatura. Mas nos não ditos do texto se percebe que por trás das caricaturas, há a análise do panorama sociopolítico e cultural do Brasil", complementa Jairo Mattos, um ator que costuma associar seu talento à dramaturgia brasileira contemporânea, montando textos como os dos dramaturgos Bosco Brasil e Mario Bortolotto. "O caminho para a boa dramaturgia me parece esse: possibilitar que o autor veja sua peça montada para que possa aprimorar seu caminho", reforça. Marcelo Fonseca dirigiu peças de Artaud (Beatriz Cenci), Zeno Wilde (Anjos de Guarda), Brecht (Baal - O Mito da Carne) e Sade (Filosofia na Alcova). Também foi ator do teatro Oficina, sob direção de Zé Celso, e de peças do dramaturgo Zeno Wilde, já falecido. Criador do Teatro do Incêndio, Fonseca faz jus à verdade que tenta imprimir no seu espetáculo, indo na contramão de seus personagens hipócritas, quando declara - não sem júbilo - que escreveu uma peça datada. "A peça foi escrita para hoje, para a eleição presidencial deste ano", sublinha. O projeto já está tramitando para ser aprovado pela Lei Rouanet. Ainda não tem local para estrear, mas Fonseca garante que a montagem ganha a cena até o final de agosto. Cabe ressaltar que os jingles da peça serão criados pela cantora e compositora Cida Moreira, os cenários serão assinados por Márcio Tadeu e os figurinos, por Heitor Werneck. Interessados em patrocinar o projeto - orçado em R$ 236 mil - podem contatar a direção do Teatro do Incêndio, pelo telefone (11) 3259-1828, ou o produtor Kalid Sarhan, pelo telefone (11) 3675-1285.

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