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"Máquina de Pinball" veio para "sujar"

Livro está entre obras que vieram para "sujar" a literatura brasileira. Narra a história da jovem Camila, que vive entre SP e Londres, bebe vodca de segunda, faz dívidas no cartão de crédito...

Por Agencia Estado
Atualização:

Primeiro, vamos dar razão a Clarah Averbuck: ela não tem nada de Fernanda Young, pelo menos quando escreve. Máquina de Pinball narra a história de Camila, uma jovem que vive entre São Paulo e Londres, bebe vodca de segunda, faz dívidas no cartão de crédito e transa com os amigos de seus namorados. Além de mais "fresca" que a literatura de Fernanda Young, o livro integra nitidamente o grupo das obras que vieram para "sujar" a literatura brasileira, adubando com palavrões, escatologia, sexo e individualismo libertário um cenário por demais reverente - sem muita preocupação literária, mas também sem um cuidado com o marketing desmesurado. Clarah e Mirisola jogam no mesmo time, um time que parece querer escrever sem carregar no ombro o peso do passado da literatura brasileira, como se ela não tivesse já uma história. O resultado é que a linguagem compete, muitas vezes, não outros escritores, mas outras formas de comunicação: o cinema, a música e a TV. Uma pretensão e tanto, que obviamente não será realizada, mas que pode ainda vir a dar bons frutos até naufragar. John Fante (1909-1983), o norte-americano que escreve de uma forma muitíssimo diferente da de Mirisola e da de Clarah, mas que fornece o alicerce de seus discursos, dá, logo no início de seu romance 1933 Foi um Ano Ruim (Brasiliense), uma pista do que esses escritores estão fazendo: "Ali estava eu em Roper, estado do Colorado, ficando mais velho a cada minuto. Em seis meses estaria com dezoito anos e formado no colegial." Nada mais juvenil que ler Fante, e não por acaso Mirisola, que se liberta um tanto dessa postura no final de seu romance - quando o filho morto do título dá as caras -, afirma que Clarah tem um quê de Maria Mariana de Confissões de Adolescente. É uma literatura ainda imatura, egocêntrica, "umbiguista", como se convencionou chamar. O individualismo e a sujeira têm um papel importante no que Clarah escreve. Mas o grande problema desses autores, o que os impede de serem maiores por enquanto, é a incapacidade de compartilhar esse "eu". Não só porque esses filhos da classe média recusam tanto a vida e os valores burgueses, quanto a vida dos mais pobres e a da própria classe. O único espaço que lhes resta é a solidão, mas, ainda assim, parecem precisar fazer dessa solidão uma experiência única, como se não estivessem acompanhados por outros milhões de solitários do mundo. Para isso, eles precisariam aprofundar as experiências, olhar ao redor, reconhecer dores maiores que as suas. Por enquanto, eles falam alto, gesticulam e gritam. Mas falta um esforço para articular melhor as palavras - e fazê-las mais necessárias aos leitores.

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