Mapeamento revela que 53% dos brasileiros têm mais alteração de humor no isolamento social

Ao mesmo tempo, brasileiros descobriram formas de sobreviver ao caos provocado pela pandemia de covid-19 e manter a mente sã

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Por Camila Tuchlinski
7 min de leitura

Pare para pensar por um instante e tente se lembrar de como você estava se sentindo em meados de março, quando o Brasil praticamente parou por causa da pandemia do novo coronavírus. Comércio fechado, ruas desertas, algumas empresas adotando o home office. Todos tentando adaptar suas rotinas, seja cumprindo isolamento social ou, com a necessidade de sair para trabalhar, se protegendo contra a covid-19. Um sentimento de fragilidade. De impotência diante do desconhecido. De ameaça. Assim estava a jornalista Débora Costa e Silva, de 34 anos, que é redatora publicitária. “O que tive foi muito medo, muito pesadelo, muita ansiedade. Fique apavorada e comecei a ter pesadelo com as coisas. Fiquei com mais medo e muita tristeza”, relembra. 

Medo e tristeza foram os sentimentos iniciais de Débora Costa e Silva após imposição do isolamento social Foto: arquivo pessoal

Um estudo conduzido pelo Instituto Bem do Estar e pela NOZ Pesquisa e Inteligência mapeou a saúde mental durante a pandemia. Realizado com 1.515 brasileiros de todas as regiões, idades e classes sociais, o levantamento avaliou questões como hábitos e rotinas, sentimentos e reações físicas, e impacto na alimentação e na libido de casados e solteiros entre 7 e 31 de maio de 2020. O perfil da amostra é composto por 21% homens, 71% mulheres e 7% não informado. A maior parte dos entrevistados (75%) mora no Estado de São Paulo, epicentro da pandemia no Brasil, e 25% distribuídos por todas as regiões do País.  O medo foi o sentimento predominante durante o período analisado para 71% dos entrevistados, seguido do aumento da preocupação e insegurança. “Analisando os depoimentos coletados na pesquisa fica claro que o medo não é proveniente de um só fator mais de todas as consequências causadas pela pandemia, tanto relacionadas à saúde - ficar doente, contaminar alguém e até mesmo da morte -, mas também das consequências econômicas, como perda de renda e desemprego”, ressalta a pesquisadora Juliana Vanin.  Um participante do estudo, cuja identidade será preservada, chegou a confessar: “Eu estou muito nervoso com essa situação. Eu me sinto preso. Tenho medo, me sinto sob pressão. Vejo tantas mortes e temo por pessoas próximas a mim. Isso é o que mais me deixa nervoso, ansioso e sob pressão. Estou vivendo um turbilhão de emoções e tento não surtar. Apesar de estar bem, a sensação de insegurança é um fantasma que me acompanha. Como queria que tudo isso acabasse”. A engenheira florestal Gabriela Alejandra da Cruz Malpeli, de 36 anos, também identificou as mesmas emoções. “No começo da pandemia, eu estava mais preocupada com a doença, com o senso de proteção contra o vírus. Não fiquei tão preocupada comigo, com o que eu estava sentindo, então, estava mais focada no vírus e formas de me proteger contra ele”, conta. 

A ioga ajudou Gabriela Alejandra da Cruz Malpeli a superar preocupação e medo na quarentena Foto: arquivo pessoal

Antes do isolamento social, Gabriela saia para caminhar ou correr todos os dias em um parque na cidade de Piracicaba, onde mora. Mas o local foi interditado. “Logo no começo da pandemia o parque fechou e eu senti que precisava buscar alguma coisa. A academia não fechou no mesmo momento, mas depois. Foi questão de dias para as coisas irem fechando. Vi no Facebook uma amiga ioga online e ela me ofereceu. Ela é professora de ioga e me chamou pra fazer”, diz. Anne Rocha, amiga de Gabriela, foi a grande responsável por incentivar a prática em tempos de quarentena. “Senti as mudanças no mesmo dia. Sou uma pessoa que, quando fico emocionalmente ‘mexida’, sinto muita tensão no corpo, então, a ioga é uma forma que encontrei para relaxar. Depois da ioga consigo focar mais nos estudos”, ressalta a engenheira florestal, que agora faz outra graduação, online, de Engenharia Agronômica na Unifesp.

Sobre a realização de atividades ligadas à mente e à rede de apoio, 28% dos entrevistados da pesquisa Saúde da Mente & Pandemia apontam que estão praticando meditação e 13% ioga. “Notamos claramente os benefícios que atividade física pode gerar para a saúde mental, especificamente no período de isolamento. Quando comparamos a prática de atividade física e o aumento de sentimentos vinculados à depressão e ansiedade percebemos, por exemplo, que enquanto 61% dos que reduziram a atividade física se sentiram mais desanimados devido ao isolamento social, entre os que conseguiram aumentar muito a frequência esse número caiu para 38%”, informa Juliana Vanin, da Noz Pesquisa e Inteligência. Em relação aos sintomas físicos, entre os que diminuíram a frequência dos exercícios, 37% afirmaram sentir mais dores de cabeça. Outra reação que teve grande aumento foi a insônia: metade dos pesquisados, 51%, afirmaram ter dificuldade para dormir. Assim como Gabriela, Débora Costa e Silva também fez de tudo para que a sensação de medo e insegurança não tomassem conta dela. Ao perceber que ficaria em isolamento social por muito tempo, a jornalista redescobriu uma paixão que estava relativamente ‘adormecida’: a música. Então, ela decidiu organizar as próprias lives, se apresentando para amigos nas redes sociais.  “O que me ajudou foram as lives de música que fiz. Foi um alento porque me distraí, resgatei um prazer por algo que estava um pouco adormecido. Na quarentena pensei: ‘Puxa, vou usar esse tempo para fazer uma coisa que eu gosto’. E também tive aquele sentimento de urgência: ‘Ah, o mundo está acabando, a morte está à espreita e eu não estou fazendo o que eu gosto com todas as forças’. E realmente é um ânimo. Eu preparo um repertório, faço foto e tudo. Comecei a me soltar e virou um momento de diversão e de encontro com meus amigos. Então, faz bem pra mim. Achei quase que um propósito”, afirma.  As lives de Débora foram ficando mais sofisticadas e ela chegou a transmitir apresentações temáticas, como um ‘bailinho anos 1980’ e uma homenagem às divas da música mundial.

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Isabel Marçal, cofundadora do Instituto Bem do Estar, avalia que estamos vivendo um dos momentos mais desafiadores da história humana. “Um cenário de incertezas, medo, perdas, alteração substancial da nossa rotina diária e divergênciasde informações sobre como se proteger. Diante deste panorama, as oscilações de humor são normais e mais frequentes, mas não podemos deixar de nos atentar a elas”, ressalta.  Além disso, na opinião dela, a saúde mental agora precisa de ainda mais atenção: “Muito tem se falado e estudado sobre saúde mental pós-pandemia, com um aumento considerável de transtornos compulsivos obsessivos (TOC) e neuroses. Para diminuir o impacto da pandemia em nossa saúde da mente, precisamos adotar ações coletivas, como abrir espaços que impulsionem o debate, a troca de experiências e a escuta de novas visões e percepções em relação ao tema”.  É preciso diminuir o estigma que a saúde mental carrega e dar voz para as pessoas falarem sobre o assunto, sem os julgamentos que acabam calando e sufocando o indivíduo. As próximas etapas da pesquisa Saúde da Mente & Pandemia, que acontecerão entre agosto e novembro, prevêem a ampliação no número de respondentes e do perfil da amostra, com particularidades e desafios das periferias, juventudes e novo ambiente de trabalho.  Ao final do levantamento haverá cinco mapeamentos públicos: o primeiro em agosto com a análise desta primeira etapa; os seguintes referentes aos três recortes de perfis (novembro de 2020) e, em janeiro de 2021, o mapeamento final com a comparação dos dados levantados e uma análise propositiva do impacto do isolamento social na saúde da mente.  “Observamos que entre as pessoas que estavam saindo menos de uma vez por semana durante o período que realizamos a pesquisa, 70% estavam se sentindo mais emotivos. Quanto maior o nível de isolamento, maior o porcentual de pessoas com aumento dos sentimentos e reações físicas ligados à ansiedade e depressão. Entretanto, é extremamente importante observar que entre os que estavam saindo cinco ou mais vezes por semana, que abrange as pessoas que mantiveram sua rotina profissional fora de casa, os porcentuais são intermediários. Além disso, o porcentual de pessoas com aumento da sensação de medo e preocupação excessiva foi bastante alto, 65% e 67% respectivamente”, conclui a pesquisadora Juliana Vanin. Os dados sinalizam as possíveis consequências na saúde mental causadas pela pandemia e pela falta de políticas uniformes de isolamento, que provavelmente poderiam ter reduzido seu tempo e a taxa de contágio. Porém, essas tendências serão validadas nas próximas etapas do projeto que seguirão até janeiro de 2021 com o mapeamento final, “Sociedade de Vidro na Pandemia”, que contará com a comparação dos dados levantados e uma análise propositiva do impacto do isolamento social.

Mapeamento "Saúde da Mente & Pandemia" - realizado em maio de 2020 com 1.515 participantes - investigou o impacto do isolamento social no cotidiano do brasileiro Foto: Ilustração: Freepik
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