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Manuel Inácio da Costa, um gênio esquecido

Escultor é uma lenda nas artes plásticas baianas. Ainda assim, seu aniversário de morte passou sem nenhuma homenagem ou menção em Salvador

Por Agencia Estado
Atualização:

"Contrate-se o melhor imaginário para o serviço." A frase pode ser encontrada nos antigos livros de atas e despesas de várias irmandades religiosas de Salvador. Sempre que era preciso substituir imagens de santos danificadas, fora do estilo da época ou simplesmente embelezar os templos baianos, um nome era o preferido de todos: Manuel Inácio da Costa, "o melhor imaginário" da Bahia na virada dos séculos 18 e 19, apelidado de "Seis Dedos" pela habilidade em moldar a madeira. Apesar de ser uma lenda nas artes plásticas baianas, o grande escultor, de vida longa (morreu aos 94 anos em 1857, sem nunca ter se casado), na passagem dos 145 anos de sua morte, no dia 23 de maio, não mereceu nenhuma homenagem ou menção em Salvador. A Escola de Belas-Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA) alegou o período de férias em maio, causado pela última greve dos professores, o motivo que teria impedido qualquer programação. No Museu de Arte Sacra de Salvador, o principal do Brasil, onde estão quatro obras do artista, também nada foi programado por causa das reformas no prédio, justificou o diretor Francisco Assis Portugal. Ele prometeu, contudo, uma supermostra de peças do barroco-rococó e neoclássico das principais igrejas de Salvador assim que o museu reabrir em 30 dias. Entre as peças, estará um Cristo na Coluna, de Manuel Inácio, recuperada recentemente pelo museu. A "passagem em branco" de uma data que poderia servir para divulgar a obra de um dos grandes escultores brasileiros deixou o professor de restauro Dírson Argolo decepcionado. "Em geral, na Bahia e no Brasil infelizmente não se tem essa cultura de usar datas relacionadas aos artistas para promover mostras e eventos que lembrem gênios como Manuel Inácio ou Francisco das Chagas, o Cabra", disse. Argolo teve o privilégio de restaurar recentemente o Senhor do Bom Caminho, escultura de Manuel Inácio pertencente à Igreja do Pilar. "É sempre uma emoção muito grande trabalhar numa obra dessa qualidade, pois o restaurador tenta se transportar para a época que o artista a esculpiu", disse, informando que sua equipe levou quatro meses no trabalho que consistiu em consolidar partes descoladas, preencher espaços e retocar a camada pictórica. Argolo tem esperança que estudantes de belas-artes se interessem em estudar mais a fundo a obra e a vida de Manuel Inácio pois grande parte de suas esculturas não é identificada, uma característica da época. O Senhor do Bom Caminho é uma obra que contém elementos de transição entre o barroco e o neoclássico, ao contrário da escultura mais famosa atribuída ao artista, o São Pedro de Alcântara, que reina absoluto entre os tesouros da Igreja de São Francisco de Salvador, jóia do barroco luso-brasileiro. Sobre a peça (feita entre 1790 e 93, por "Seis Dedos" conforme tradição oral dos frades franciscanos), Manuel Quirino, artista plástico de renome e historiador, escreveu no seu livro Artistas Bahianos, publicado em 1911: "A região frontal quase toda descoberta, testa enrugada, a escavação da região temporal, a saliência dos ossos molares, a grande depressão na área da bochecha e as rugas na face são trabalhadas de modo a simular o natural." Natural da Vila de Camamu, Bahia, Manuel Inácio era branco, ao contrário de Francisco das Chagas, o "Aleijadinho baiano", um mulato que herdou a carta de alforria do pai e, apesar do imenso talento, sofreu grande discriminação da sociedade da época. Manuel Inácio aprendeu a esculpir com Félix Pereira Guimarães, outro artista de prestígio do século 18. Segundo o historiador Carlos Ott, que não gostava do estilo de Manuel Inácio e não o considerava um gênio, achava que suas peças faziam grande sucesso popular pelas faces "adocicadas" que imprimia principalmente às santas. "Era uma beleza imaginada pelo povo, as peças pareciam bonecas", dizia Ott, que não acredita ser de Manuel Inácio o São Pedro de Alcântara. Eclético, "Seis Dedos" foi contratado também pelas Igrejas do Bonfim, Santana, Ordem Terceira de São Francisco para a qual esculpiu um São Domingos de rara beleza, entre outros templos. Ele ainda foi requisitado para decorar o lendário Teatro São João, inaugurado em 1829 na Praça Castro Alves, no mesmo local onde hoje está o prédio do Palácio dos Esportes. A escultura mais popular do artista, contudo, é a imagem do Caboclo, um dos símbolos da Independência da Bahia, feita pelo mestre em 1828 e que a partir daquele ano participa do cortejo do festa do Dois de Julho.

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