25 de maio de 2014 | 03h13
A mãe não entendia como a Soninha, que em casa tinha quem fizesse tudo por ela, que era incapaz de juntar uma calça do chão, iria se ver, sozinha, em Paris. A Soninha não sabia nem esquentar água! Mas talvez a experiência lhe fizesse bem. E a Soninha foi para Paris.
Seu primeiro telefonema para casa foi entusiasmado. Tinha alugado um apartamentinho, sexto andar sem elevador, banheiro e cozinha conjugados, uma gracinha. E já tinha um grupo de amigos. Colegas de curso? Não, não, o curso ainda não começara. Na verdade, ela ainda não sabia que curso iria fazer. Mas os amigos eram ótimos. Discutiam muito, quase brigavam, mas sempre numa boa. Paris era uma festa.
No seu segundo telefonema para casa, Soninha fez uma revelação. Estava namorando um moço chamado Piotr. Um imigrante. Lindo. Apesar da dificuldade em se comunicarem - Piotr recém-começava a dominar o francês, e falava com um sotaque indecifrável que Soninha também achava uma gracinha - estavam se dando muito bem .
- Iiiih... - foi o comentário do pai.
- Ai, ai, ai - disse a mãe.
No seu terceiro telefonema para casa, Soninha fez uma pergunta curiosa.
- Pai, qual é a nossa posição na questão do Querquistão?
O pai estranhou. Soninha nunca se interessara por política antes.
- O Querquistão, minha filha?
- É. Qual é o nosso lado?
O pai não podia confessar que não tinha a mínima ideia de onde ficava o Querquistão, ainda mais das suas questões políticas. A filha insistiu:
- Nós somos separatistas?
- Preciso me informar mais a respeito, minha filha...
- Eu preciso saber logo, pai. É urgente!
- Mas... O Piotr não é do Querquistão? Ele não pode lhe dar uma orientação?
- E eu entendo o que ele diz? Amanhã haverá duas manifestações na Bastilha, pró e contra os separatistas. Meu grupo de amigos vai participar, mas eu não sei de que lado. Eu preciso saber o que eu sou!
- Minha filha. Simplesmente não vá a nenhuma das duas manifestações. Fique neutra.
- O quê?! Como não ir? Isto aqui é Paris!
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