MAM abre mostra rara de arte latino-americana

A valiosa Coleção Cisneros é o destaque da exposição que será aberta amanhã

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Por Agencia Estado
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Se não fosse pelo sabor do guaraná brasileiro, São Paulo não estaria vendo, a partir de amanhã, 136 obras de uma das mais importantes coleções privadas de arte latino-americana do mundo. Tudo começou quando a venezuelana Patrícia Phelps de Cisneros fez uma visita ao Brasil em meados dos anos 60 e se apaixonou pelo refrigerante. Na volta para a sua Caracas natal, levou mais de 30 garrafas na valise. Depois do guaraná, vieram outras paixões: a cantora Maysa, a atlântica paisagem do Rio e, mais importante, a arte brasileira moderna contemporânea, de Volpi a Cildo Meirelles, passando por Hércules Barsotti, Geraldo de Barros, Mira Schendel, Oiticica e dezenas de outros nomes de primeira linha. Hoje presidente da Fundação Cisneros, entidade filantrópica com sede em Caracas, magnata das comunicações e mecenas das artes, colecionadora que mais doa arte brasileira para o Museu de Arte Moderna de Nova York, ela emprestou parte de seu milionário acervo para o Museu de Arte Moderna de São Paulo montar a exposição Paralelos - Arte Brasileira da Segunda Metade do Século 20 em Contexto - Colección Cisneros. "O Brasil sempre me fascinou por sua estética da abstração geométrica. Penso que seja justamente pelo rigor intelectual que essas obras demonstram, pela sofisticação de pensamento, pela ordem que existe. É como uma nostalgia de ordem e equilíbrio em nossa existência na América Latina", disse Patrícia Cisneros em entrevista ao curador brasileiro Paulo Herkenhoff, que é consultor de sua coleção desde os anos 80. Paralelos exibe quadros, esculturas, desenhos e objetos quase nunca vistos no Brasil, de nomes que vão de Milton Dacosta, Waldemar Cordeiro e Willys de Castro até o time de frente de nossa arte contemporânea: Cildo Meirelles, Tunga, Valeska Soares e Vik Muniz, entre outros. No total, são mais de 50 artistas brasileiros ou radicados no País, além dos pioneiros europeus Max Bill, Josef Albers e Piet Mondrian, todos pinçados pelo próprio curador da Coleção Cisneros, Ariel Jiménez, que dessa forma coloca a arte brasileira em perspectiva internacional. Um dos maiores méritos do precioso acervo, que começou a ser formado nos anos 70, foi ter dado contribuição decisiva para deslocar a produção latina da periferia e a colocar no mapa da arte mundial. Hoje abriga 1.500 trabalhos - sendo mais de 300 obras de artistas brasileiros, grande parte selecionada por Herkenhoff, que atualmente trabalha no MoMA. As obras não são expostas ao público regularmente, mas muitas costumam ser emprestadas para mostras ao redor do mundo. O recorte de 136 peças que vem para o MAM gira principalmente em torno do concretismo e neoconcretismo, principais movimentos de uma arte genuinamente brasileira. Mas há também criações bastante recentes, como as conhecidas fotografias de Vik Muniz e o Tacape de Tunga. Fato raro por aqui, a coletiva permite que o público confronte os concretos e neoconcretos do Brasil com os abstratos uruguaios (caso de Joaquín Torres-Garcia), os cinéticos venezuelanos (como Jesús Soto e Carlos Cruz-Diez) e os concretos argentinos do grupo Madí (Carmelo Arden Quin e Raúl Lozza), rompendo com a terrível pecha de "periférica" para a produção de primeira qualidade surgida ao sul do Equador. "A exposição é pontuada por obras dos artistas que nutriram o imaginário construtivo nacional, como Mondrian e Albers", explica Ivo Mesquita, diretor do museu. "Também é fascinante descobrir o que os artistas de outros países da América Latina, como Argentina e Venezuela, estavam fazendo naquele mesmo período, a fim de estabelecer algumas simultaneidades e afinidades." Patrícia Cisneros deve chegar hoje a São Paulo para abrir amanhã sua exposição, apenas para convidados ilustres. O vernissage oficial é na quinta e o museu só abre suas portas para o público na sexta. A mostra faz parte do abrangente projeto Imagens do Brasil: 80 Anos de Modernismo, patrocinado pela Telefônica, que traz ainda mais uma seleção imperdível de 62 trabalhos extraídos de outro acervo particular, desta vez paulistano: Espelho Selvagem - Arte Moderna no Brasil da Primeira Metade do Século 20 - Coleção Nemirovsky, com curadoria de Maria Alice Milliet.

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