18 de maio de 2014 | 02h14
Deveria, portanto, ficar quieto - e mudo - no meu canto. Mas não, eu me divirto - e diversão nesse departamento é o que não me tem faltado nestes dias em Buenos Aires. Com empáfia de quem fosse poliglota, fico a imaginar em quantos desses hotéis tem brasileiro a esfregar o umbigo no balcão do hotel para reclamar da falta de água "quiente". Ou, no café da manhã (para muitos, "café de la mañana"), querendo ovos mexidos, o "revoltillo" dos nativos, pede "huevos mejidos" e, para que não haja dúvida, se põe a balançar em círculos a cabeça.
Menos desastroso, em todo caso, do que o episódio vivido por um amigo, que, em pleno entrevero carnal, custou a entender as exclamações - "¡vente, vente!" - com que a garota argentina o incitava a fazer coincidir com o dela o ansiado desfecho. "Vente?", afligia-se ele, temeroso de que um esmorecimento físico viesse envergonhar as cores nacionais, e lamentando que o kit sexual não incluísse um dicionário. Ela está pedindo para eu soprar? Felizmente, matou a charada a tempo de, ufa, "venir" juntinho com a muchacha.
Devo confessar os baixos sentimentos que de mim se apossam em presença de brasileiro a falar língua estrangeira. Se ele se sai mal, sou macaco que, esquecido do próprio rabo, se deleita e rola. Se se desincumbe a contento, vejo cair sobre mim o peso da inveja e da humilhação linguística. Você pode não acreditar, mas temo o ridículo, o que me leva às raias do mutismo. Não me arrisco como aquela tia que, em Buenos Aires, ao ver um esquisitíssimo ônibus sem capota, lascou: "¿Adonde va la joça?" Não é que se fez entender? "A Olivos, señora", respondeu o condutor da joça.
Sei que é assim, ousando, que se aprende outro idioma. Metendo os peitos. Tacando los pechos. Ao ouvir "¡vente!", eu deveria ventar, quer dizer, deveria me largar - mas, covardemente, me refugio numa paralisante cautela. Já não confio na intuição. Estudante em Paris, entrei numa papelaria e em vez de pronunciar a palavra que me viera à mente, enveredei pela descrição da folha que se usa para fazer cópias à máquina, até que a balconista me passasse o atestado de bocó: "Ah, carbonne!"
Como tudo o mais, porém, há que ter limite a ousadia linguística. Um ex-presidente brasileiro recebeu certa vez um colega sul-americano a bordo de um navio na Amazônia - e, ao vê-lo aproximar-se, engravatado naquele calorão, fez o gesto de quem sacode as abas do seu ali imaginário jaquetão, bradando, sob a bigodeira negra de humilhar graúna: "Presidente, ¿por qué no saca Usted sus pantalones?". Seus assessores quiseram se atirar no rio. O mesmo personagem (antes que alguém aí se assanhe: não foi o metalúrgico), não contente em circular em Nova York, todo pimpão, numa interminável limusine branca, a preferida das noivas, numa roda de hispano-americanos pediu "una Cueca-Cuela".
Não recomendo a ninguém que, em Paris, chame a panturrilha de "pomme de terre de la jambe", ou, macho vendo passar mulher apetitosa, dê tradução literal - "morceau de mauvais chemin" - àquele pedaço de mau caminho. Ou, ainda, querendo deixar claro que não há meio termo, vá de "pain, pain, fromage, fromage".
Pior que isso foi a confusão que fez um executivo brasileiro ao se despedir de um colega francês. Alguém lhe havia soprado a palavra "baiser", sem contudo explicar que ela tanto pode ser substantivo, para designar beijo, como verbo, significando ter relações sexuais. "Baisez votre femme pour moi!", disse jovialmente o brazuca, sem entender por que monsieur fechou a cara, e sem se dar conta de que poderia desembarcar no Brasil com olho roxo.
Moral da história: mais vale, em Paris, "mettre la barbe dans la sauce", ou, aqui em Buenos Aires, "poner las barbas en la salsa". Minha mãe, se argentina fosse, recomendaria: "Mono, ¡mira tu cola!"
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